quinta-feira, 31 de maio de 2012

Progressivismo em tempos de crise

Em meio ao perigoso contexto europeu, Eurozine publica discurso de Michael Ignatieff inspirado em Tony Judt. Texto enfatiza igualdade de oportunidades como forma de superar a catástrofe política na Europa.

O futuro da política progressista européia, referência clássica no campo prático e teórico, passa atualmente, segundo Ignatieff, por pelo menos três questões: como reiventar uma política de igualdade para uma era de crescente desigualdade, como ampliar bens públicos igualitários em tempos de austeridade e como reafirmar a união da Europa em um momento de crise tão grave. Para o autor, os problemas atuais do euro trazem à tona a reemergência dos controles de fronteira no continente e o fortalecimento de políticas sustentadas pelo ressentimento, fatores que podem levar a novos conflitos de classe, étnicos e mesmo entre nações na região. "Uma sombra de desilusão paira sobre a Europa", afirma o escritor canadense.

Para Michael Ignatieff, os países da Europa, em vez de se concentrarem em um regime fiscal e orçamentário comum, tentaram usufruir de uma união monetária sem sacrifício de suas soberanias. "Tanto os países fracos como os mais fortes exploraram o euro de modo a transferir seus problemas para os vizinhos", diz o autor.

Nesse contexto, os Estados mais fortes não se dispuseram a controlar suas dívidas e os mais fracos continuaram a se endividar com a esperança de que a União garantiria seus problemas fiscais. Com isso, em vez de transcender a soberania, a União Européia (UE) teria sistematizado a transferência do "risco moral" (moral hazard) das nações mais fracas para as mais fortes, o que estaria minando de forma crescente a credibilidade das instituições regionais.

Em meia a essa situação, o autor sugere um mecanismo que pudesse conferir poder de veto às instituições européias sobre os orçamentos nacionais. No entanto, como mesmo afirma, isso significaria uma redução voluntária das soberanias dos países-membros sobre suas economias e uma transferência de poder político do eleitorado europeu para os tecnocratas da UE. O dilema, dessa forma, estaria representado no fato de que o caos econômico só poderia ser solucionado às custas da democracia no Velho Continente.

Seja como for, mais interessante que o debate de Ignatieff sobre causas e soluções para os problemas do euro é a reflexão que o autor faz sobre como a Europa poderia retomar seus valores progressistas, mesmo em meio a uma situação tão desfavorável. Para o escritor, a retomada passaria necessariamente por determinados consensos que podem ser atingidos e ao mesmo tempo ressaltados em um contexto não somente de crise financeira, mas também de declínio do apoio popular ao tradicional Estado de bem-estar europeu.

Ignatieff aponta, por exemplo, para o equívoco de os governos protegerem ou compensarem indivíduos ou firmas que sofrem prejuízos de suas apostas no mercado, ao mesmo tempo em que chama a atenção para a necessidade de que os mesmos prestem socorro às populações atingidas em seus empregos ou rendimentos. Da mesma forma, o autor sugere que o progressivismo político resgate seu tradicional compromisso com a concorrência de mercado, ou seja, o papel dos governos na promoção da competição. "Precisamos de mais, não menos, competição no mercado, e isso significa governos preparados para desmantelar instituições que se tornaram 'grandes demais para quebrar' e cujo fracasso expõe as economias como um todo à calamidade", afirma.

No mesmo caminho, o autor destaca a questão da igualdade de oportunidades como um valor de relevância fundamental na construção de consensos políticos, amplamente necessários e custosos em momentos de crise, e para o papel importantíssimo dos bens públicos nesse contexto. Segundo ele, estradas, escolas, bibliotecas e hospitais públicos são aceitos pelos contribuintes porque o cidadão sabe que o bem-estar privado depende necessariamente de uma sólida estrutura de provisão bens públicos. Além disso, bens públicos têm a vantagem de expressar o ideal de igualdade social, o direito comum de todos se beneficiarem do mesmo investimento. Conta com a contribuição de cada um, com base nas possibilidades de cada um.

Para Michael Ignatieff, em uma conclusão que certamente não vale somente para o contexto europeu, o progressivismo não deve ter como meta principal a defesa do Estado, estará aí o seu erro supremo, mas a promoção de uma vida social mais justa e igualitária.

Nenhum comentário:

Postar um comentário