segunda-feira, 5 de abril de 2010

Justiça internacional e as aspirações brasileiras de liderança

Interesses nacionais e excepcionalidade

As muitas possibilidades que os estudos de identidade geraram para um maior entendimento das relações internacionais e da política externa dos países são uma das contribuições mais ricas da volta da subjetividade às Ciências Sociais. De fato, não há dúvidas de que o que criamos e fazemos diz muita coisa sobre o que somos e como percebemos o mundo em nossa volta.

Levados ao campo da política externa brasileira, estudos de identidade permitem, por exemplo, sugerir que a ação internacional do Brasil no pós-Guerra Fria combina o princípio de participação à visão tradicional do ambiente como uma arena injusta, constituindo uma noção de que a própria luta do país pela sua "sobrevivência", no espaço global, é uma forma de construir um mundo melhor e mais justo, ou seja: a excepcionalidade brasileira.

Não é difícil perceber que, após 1989, o Brasil mudou radicalmente seu perfil internacional. Pouco a pouco, o país se comprometeu com os principais regimes internacionais, mesmo que muitas vezes de forma crítica. O país se abriu ao sistemas globais de finanças e comércio, flutuou seu câmbio, colocou as questões ecológicas e de propriedade intelectual em sua agenda e se comprometeu com as regras internacionais de proliferação nuclear. Em termos políticos, a decisão, tomada e consolidada ao longo das duas últimas décadas, foi de participar dos debates internos aos regimes internacionais e de buscar o espaço brasileiro no processo de globalização. Uma transformação que deve ser vista como o fim da Guerra Fria no Brasil, entendida como um processo que se caracteriza como parte, e não produto, do momento histórico.

Desse ponto em diante, a tradição nacionalista e a necessidade de participar dos múltiplos ambientes internacionais reforçaram a posição brasileira em defesa da democratização do processo decisório internacional, que ao mesmo tempo serve de mecanismo de construção de coalizões entre nações de capacidade semelhante ou mais limitada (o tradicional terceiro-mundismo), mas também de aproximação do processo decisório, das grandes potências. O papel do Brasil nas negociações da Rodada de Doha, na OMC, ou a candidatura do país para um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU seguem o padrão sugerido. O modelo pode ser percebido na posição brasileira na arena ecológica, no tradicional (e talvez já superado) argumento de que os países mais ricos são os que devem fazer os maiores sacrifícios. Pode ser percebido também no campo da propriedade intelectual, na quebra, por exemplo, das patentes dos remédios para tratamento da Aids, e até mesmo na controversa defesa do programa nuclear iraniano, dado que a matéria versa sobre um tema sensível a alguns setores no Brasil e é muitas vezes percebida como uma intervenção das grandes potências em um projeto nacional legítimo de uma potência média.

O argumento por trás é o mesmo tanto na aproximação de Fernando Henrique Cardoso, um notório crítico do regime financeiro internacional, a Bill Clinton e Tony Blair, quanto no terceiro-mundismo de Lula. A política externa brasileira do pós-Guerra Fria combina a tradicional percepção do ambiente internacional como uma arena injusta com a idéia de que sua própria luta é uma forma de construir um mundo melhor e mais justo, constituindo uma forma brasileira de excepcionalidade. Como essa identidade pode ser cooperativa em decisões globais urgentes, como no caso da ecologia, por exemplo, e de que modo essa excepcionalidade se comportará no esperado amadurecimento econômico e político brasileiro são questões que o país terá pela frente, em um futuro próximo.

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