quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O mundo de cabeça para baixo

Peter Faber, chefe do setor de Estratégia e Operacões do International Relations and Security Network (ISN), em Zurique, analisa em podcast as transformações nas relações internacionais contemporâneas. Segundo o especialista, o planeta vive hoje processos contraditórios de consolidação global da economia e multiplicação regional dos problemas de segurança.

O ISN lançou neste mês de novembro uma nova seção. Tradicionalmente voltado para questões correntes ligadas a eventos específicos das relações internacionais contemporâneas, o site agora passa a tratar também de temas mais estruturais, com foco especial em três campos: dos fatores que definem as relações internacionais e a segurança internacional, dos processos de transformação do poder e, finalmente, dos impactos que a dinâmica estrutural gera aos principais temas da política internacional contemporânea. Para inaugurar a nova seção, o ISN entrevistou Faber, ex-professor do US National War College e da Universidade George Washington. A entrevista foi transformada em um podcast intitulado "Structural Change in the International System".

Segundo Faber, o mundo vive hoje processos que geram uma situação complexa e contraditória. Por um lado, consolida-se uma dinâmica econômica global de proporções gigantescas. Por outro, multiplicam-se as questões regionais de segurança, envolvendo um número cada vez maior de nações. Para o especialista, esses processos tornam a vida do analista internacional muito mais complicada. Segundo ele, a multidimensionalidade das questões esvazia a capacidade de explicação e ordenamento da realidade dos modelos e das variáveis tradicionais e impõe a necessidade de uma reflexão voltada para as rupturas institucionais e ideológicas em campo.

Afinal, como afirma, a referência clássica das relações internacionais, a fronteira, base da geopolítica tradicional, se deteriorou em especial a partir do aparecimento do poder nuclear. Além disso, os centros da disputa decisória no plano internacional estão hoje dispostos, como afirma Joseph Nye, em um xadrez tridimensional, onde estão: 1) os Estados; 2) os atores não-governamentais e as instituições internacionais; e 3) as corporações, os movimentos de massa e os indivíduos. Para completar, Faber cita o trabalho de Philip Bobbitt, que aponta para a transformação do Estado-nação no "Estado-mercado", mais preocupado em promover e garantir o desenvolvimento econômico dos seus sujeitos, expandindo assim o conceito de segurança, do plano nacional e internacional para o humano (human security).

Nesse contexto, Peter Faber alerta para uma mudança na definição do poder. Segundo o especialista, no lugar da tradicional noção calcada nas vantagens materiais, o poder tende hoje a ser definido muito mais pela capacidade de se lidar com as falhas e os problemas que surgem nas redes multidimensionais constituidoras das relações econômicas e políticas do contexto global contemporâneo.

Não à toa, as revoluções tecnológicas recentes têm, para Faber, um papel essencial nessa configuração. Segundo ele, a natureza dos conflitos se transformou dos velhos embates materiais para as "guerras narrativas". Qual a narrativa dominante? Qual a mais convincente? O gerenciamento das percepções e, por conseguinte, a questão da legitimidade são, para o especialista, as arenas fundamentais dos conflitos contemporâneos. Nesse sentido, a política de identidade se fortalece, se desterritorializa e se torna motor de engajamento e revoluções, como nas manifestações recentes no Oriente Médio, na Europa e nos Estados Unidos.

Ouça aqui a entrevista de Peter Faber.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Pensadora da crise e de um novo início

Lançado no último dia 22, no Rio de Janeiro, o novo livro de Eduardo Jardim, Hannah Arendt: pensadora da crise e de um novo início, é uma ótima introdução à filosofia de Hannah Arendt, em especial aquela dedicada à política. A obra estabelece um diálogo fundamental entre os escritos da pensadora alemã, a sua vida e o contexto histórico ao redor e é dividida em três partes.

A primeira trata do pensamento de Hannah Arendt sobre as terríveis experiências políticas dos regimes totalitários do século XX. Com base no clássico As origens do totalistarismo, publicado pela primeira vez em 1951, Eduardo Jardim ressalta a noção arendtiana de ruptura. Segundo escreveu o autor, Hannah Arendt mostra em sua pesquisa sobre o totalitarismo que "a situação política na Alemanha de Hitler e na União Soviética de Stalin foi condicionada pela ruína das instituições políticas tradicionais que sustentavam a autoridade política" (p.10). Dessa forma, para a pensadora, "os movimentos totalitários tiveram sucesso porque, como verdadeiros oportunistas, souberam tirar proveito do vazio deixado pela falência da autoridade política" (p.10). Nesse contexto estão temas-chave abordados por Hannah Arendt como a questão da alienação moderna, o problema da consolidação dos "critérios instrumentais" e o uso da solidão pelos regimes totalitários.

Na segunda parte, Eduardo Jardim ressalta a própria visão de Hannah Arendt sobre o que é a política. Nessa seção, o autor ressalta a experiência arendtiana de refletir sobre "o sentido da política", em um momento em que os "horrores do regime nazista e estalinista eram vistos como o resultado da hiperinflação do âmbito político, que motivara a invasão e até a supressão de todas as demais esferas da vida" (p.68). Como escreveu o professor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio, "Hannah Arendt reconhecia que, neste ambiente, a pergunta sobre o sentido da política era formulada de forma muito mais radical e num tom muito mais desesperado do que em outras épocas" (p.69).

Pois Hannah Arendt acreditava que a política tem um sentido, e este sentido seria a liberdade. Não a liberdade negativa do liberalismo que associa a política ao Estado e, assim, procura formas de proteger a liberdade da política. Não a liberdade positiva associada a Marx e Rousseau que vê a política como um instrumento de libertação dos homens na direção da sua plena realização. Mas uma noção de liberdade, vinculada à concepção aristotélica, como "um exercício dos homens em interação, que ocorre quando eles se encontram em posição de igualdade, realizado geralmente em forma discursiva, tendo por pressuposto a demarcação de um ambiente - para os gregos, a pólis" (p.78).

Ainda na segunda parte, Eduardo Jardim trata da teoria da ação de Hannah Arendt. Nesse sentido, o autor apresenta o contraste estabelecido por Hannah Arendt entre o fazer e o agir, "entre o modo de ser previsível do fazer e a imprevisibilidade, até o ponto do milagre, da ação", entre "o modo de intervenção do fazer produtivo", a instrumentalidade do fazer, e o "poder inaugural de inciar processos, característico do agir" (p.85).

Finalmente, na terceira parte, Eduardo Jardim aborda os últimos escritos da pensadora, onde Hannah Arendt estabelece um sentido político para a atividade intelectual, relacionando as atividades do espírito do pensar e do julgar com a ação política.

Apesar do caráter introdutório e da linguagem acessível, Hannah Arendt: pensadora da crise e de um novo início não peca pela superficialidade, mas traz uma reflexão profunda e importante sobre a política. Em meio aos preconceitos alimentados pela corrupção e a instrumentalidade dos objetivos de acesso ao consumo e ao mercado, o lançamento não poderia ser mais adequado.

Leia também neste blog sobre o I Colóquio de Comunicação e Política, "Ficção científica, literatura e a filosofia política de Hannah Arendt", realizado na PUC-Rio, e "Um diálogo entre Hannah Arendt e George Orwell".

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Limpando a sujeira dos homens

Artigo encomendado pelo site openDemocracy, sobre o primeiro ano da Presidência Dilma Rousseff, contrapõe o trabalho feminino ao mau comportamento masculino no governo.

Por um lado, impossível não comentar sobre a queda de cinco ministros em casos de corrupção, sem contar com as acusações mais recentes contra o ministro do Trabalho Carlos Lupi. Além disso, há também o episódio deselegante de Nelson Jobim que, quando ministro da Defesa, criticou publicamente as nomeações de Ideli Salvatti e Gleise Hoffmann.

Também não se pode fugir ao fato de que há uma certa continuidade nos escândalos de corrupção que vem desde o governo Lula. Afinal, Orlando Silva foi nomeado em abril de 2006; Wagner Rossi, em abril de 2010; Alfredo Nascimento serviu entre 2007 e março de 2010 e voltou em janeiro de 2011, com Dilma; e Carlos Lupi está no governo desde março de 2007, o início do segundo mandato de Lula.

Ao mesmo tempo, Dilma Rousseff tenta seguir em frente com a agenda social de Lula. Ela iniciou seu mandato com um aumento de quase 20%, em média, no Bolsa Família, que beneficia já mais de 50 milhões de pessoas, em um país onde, segundo os últimos dados do IBGE, os 10% mais ricos detêm mais de 40% da renda nacional e metade da população vive com menos de 400 reais por mês.

Em junho, Dilma Rousseff lançou também o programa "Brasil sem miséria", que envolve oito ministérios e tem o objetivo de tirar 16 milhões de brasileiros da pobreza extrema, ou seja, de uma vida com menos de 70 reais por mês. O projeto inclui o Bolsa Família, um programa específico para compra de alimentos, um plano de capacitação técnica e profissional e o Bolsa Verde, que fornece incentivos financeiros a famílias muito pobres que desenvolvam práticas de conservação em áreas de proteção ambiental.

Nesse contexto, não são à toa as grandes expectativas em torno da reforma ministerial que Dilma promete para janeiro.

Veja o texto no openDemocracy.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Veja as palestras do I Colóquio de Comunicação e Política, na PUC-Rio

Abrindo a nova seção de Eventos do site, o I Colóquio de Comunicação e Política: "Ficção científica, literatura e a filosofia política de Hannah Arendt". Realizado no último dia 16, no campus da PUC-Rio, na Gávea, o encontro foi transmitido via internet pela TV do Portal, no Portal PUC-Rio Digital. Veja aqui as palestras.

Programação:
17h: Exibição do filme "Dr. Fantástico", de Stanley Kubrick

19h: Conferências
- Ficção científica e a filosofia política de Hannah Arendt
Prof. Dr. Edgar Lyra - Departamento de Filosofia da PUC-Rio e Departamento de Relações Internacionais, IBMEC.

- George Orwell e Hannah Arendt: literatura e filosofia
Prof. Dr. Arthur Ituassu - Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio

Comentários finais:
Prof. Dr. Eduardo Jardim - Departamento de Filosofia da PUC-Rio.


Um diálogo entre Hannah Arendt e George Orwell

No terreno das potencialidades políticas da ficção científica, um diálogo a ser ressaltado é aquele entre o pensamento político de Hannah Arendt e a literatura política de George Orwell.

Duas obras em especial podem estabelecer o encontro: O que é política?, de Hannah Arendt, e 1984, de George Orwell.

A primeira foi organizada com documentos do espólio de Hannah Arendt. São sete manuscritos reunidos e comentados por Ursula Ludz, parte de um trabalho encomendado pelo editor de Arendt para um livro de "Introdução à política", nos anos 1950. A idéia era, nas palavras da autora: "Uma introdução ao que a política é, de fato, e com que condições básicas da existência humana a coisa política tem a ver". O projeto ficou de lado e não foi terminado depois que Hannah Arendt se voltou para a sua última obra: A condição humana.

1984 é o romance clássico de George Orwell. Finalizado em 1948 e publicado no ano seguinte, trata-se do ponto alto da obra de um autor que sempre teve a política como foco central, seja quando escreveu sobre o imperialismo britânico no Sul da Ásia, a Guerra Civil Espanhola, da qual participou, ou sobre Berlim recém-ocupada pelos aliados. Não à toa, outro trabalho de Orwell está entre os cânones da literatura política ocidental: Animal Farm ou, em português, A revolução dos bichos.

Pelo menos quatro temas importantes são compartilhados por Hannah Arendt e George Orwell: 1) a idéia da catástrofe científica, ou seja, a questão colocada pelas utopias negativas da modernidade; 2) a noção comum do totalitarismo como ausência da política; 3) o risco da desumanização e da mecanização tecnológica do homem e 4) a degradação da linguagem.

Na verdade, os temas comuns são muitos. Outro que pode ser também ressaltado é o uso da solidão pelo totalitarismo. No entanto, há também diferenças. Por exemplo, em torno do papel da esperança, do fazer diferente, do novo começo, algo muito presente no pensamento de Hannah Arendt mas que não aparece na obra de George Orwell, essencialmente pessimista.

Em Hannah Arendt, há certamente um sentido mais forte de esperança, calcado na sua concepção de ação descompromissada, livre e essencialmente política, com o potencial de iniciar algo novo, uma vida melhor para os homens, como diria Aristóteles. George Orwell, como escritor, não teve tal pretensão.

Para saber mais, leia:
go
Literatura e política
Jornalismo em tempos de guerra
Tradução: Sérgio Lopes
Jorge Zahar Editor

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O IDH e o peso da história no Brasil

O relatório de Desenvolvimento Humano da ONU, divulgado no início do mês, mostra que o país está no caminho certo, mas tem ainda pela frente um desafio histórico a superar.

O Índice de Desenvolvimento Humano, medido com base no trabalho do economista indiano ganhador do Prêmio Nobel Amartya Sen, insere outros critérios, além do econômico, na avaliação da dinâmica histórica de 187 países. A análise não só contabiliza mudanças de renda nas populações, mas também de expectativa de vida e de escolaridade e a média de anos dedicados à educação.

Pois o IDH brasileiro subiu de 2010 para 2011 e, na verdade, vem subindo desde 1980. Era de 0,549, há 30 anos. Chega hoje a 0,718, em uma escala que vai até no máximo 1. O índice coloca o país em 84o lugar entre os 187 avaliados e no rol das nações com "alto desenvolvimento humano", abaixo daquelas classificadas como de "muito alto" desenvolvimento humano e acima das de desenvolvimento humano "médio" e "baixo". Pelo IDH, o Brasil está longe de ser uma Noruega ou Dinamarca, é pior que a Rússia e o Uruguai, mas melhor que a China e a África do Sul.

O problema para o país são os chamados "Indicadores complementares de desenvolvimento humano", que foram introduzidos no ano passado. Em todos eles o Brasil se sai muito mal.

O IDH Ajustado à Desigualdade (IDHAD), por exemplo, mede o quanto o desenvolvimento humano está distribuído entre a população. No Brasil, a diferença entre o IDH e o IDHAD é de 27,7% para baixo, situação melhor que a da Colômbia (33%) e da Namíbia (44%), mas pior que a da Coréia do Sul (17%) e da República Tcheca (5%). A parca distribuição de renda e as dificuldades no acesso à educação e à saúde no Brasil jogam para baixo o índice de desenvolvimento humano do país: de 0,718 para 0,519.

No indicador que leva em conta o gênero, o Índice de Desigualdade de Gênero (IDG), o país também não foi muito bem e ficou em 80o lugar entre 146 países. No que diz respeito ao Índice de Pobreza Multidimensional (IPM), que indica a pobreza além da privação da renda e mede também problemas da população mais pobre no acesso aos sistemas de saúde e escolaridade, a avaliação novamente não é positiva. No caso brasileiro, o IPM é 1,1 ponto percentual pior que a pobreza de renda.

Os números, no entanto, não devem encobrir os avanços e o próprio Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) faz questão de ressaltar isso no texto de divulgação do relatório aqui no Brasil. A elevação de mais de 30% no índice entre 1980 e 2011 demonstra continuidade e se constitui de um aumento de 11 anos na expectativa de vida, de mais de 4 anos no tempo médio de escolaridade e de quase 40% na renda, como aferida pela instituição. O que, na verdade, fazem os índices complementares é contabilizar o peso da história nas avaliações.

Mesmo assim, isso não significa que tudo vai de vento em popa. A curva brasileira relativa à educação na avaliação do IDH (a mais clara, ao lado no gráfico) cruza em elevação intensa o ano 2000 mas perde inclinação em seguida, demonstrando uma diminuição no ritmo das melhorias. De fato, segundo o PNUD, a expectativa de anos dedicados à escolaridade para o brasileiro recém-nascido médio piorou de 14,1 anos, em 1980, para 13,8 anos, em 2011.

Ou seja, o relatório da ONU confirma o privilégio histórico que o país vem dando à renda, em relação à saúde e à educação. Apesar dos ganhos na expectativa de vida da população, o país ainda patina na provisão pública de bens considerados fundamentais à qualquer sociedade que pretende se considerar minimamente justa.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Entre o desarmamento e o equilíbrio estratégico

Com sua peculiar noção de tempo, amplificada pela internet, a mídia jornalística se prepara para discutir no ano que vem, particularmente em outubro, os 50 anos da Crise dos Mísseis. O evento histórico, que por um fio não deu cabo à existência humana, põe em cheque o "equilíbrio estratégico" e reforça a necessidade de se discutir o desarmamento.

A Crise dos Mísseis elevou a tensão mundial durante a Guerra Fria de forma bastante perigosa. Talvez tenha sido, e para muitos autores foi, o momento mais perigoso do período, e, por isso mesmo, é importante entender as versões. A mais consagrada atualmente, que incorpora os documentos liberados após a mudança de regime, é a de que o presidente John Kennedy deu chances à linha dura em Moscou para que pressionasse por uma atitude mais forte da União Soviética frente à relativa agressividade do novo governo em Washington. Kennedy já na campanha levantara o tema do "missile gap", afirmando que os soviéticos haviam superado os Estados Unidos em capacidade balística e nuclear durante o governo Eisenhower, o que de modo algum era verdade.

Quando Kennedy assume, imediatamente inicia um amplo processo de renovação do poderio nuclear americano, em especial no setor naval e de submarinos. Também foi no começo da administração JFK, não se deve esquecer, a frustrada Invasão da Baía dos Porcos, em outubro de 1961.

É nesse contexto que estão o acidente do submarino nuclear K-19, em julho do mesmo ano e representado em filme recente com Harrison Ford: "K-19: The Widowmaker", bem como a Crise dos Mísseis Cubanos, de outubro de 1962, chamada em Cuba de "Crise do Caribe" e pelos russos de "Crise de Outubro". O evento histórico foi representado também em filme: "Treze dias", de Roger Donaldson.

A idéia do equilibrio da Guerra Fria é muito difundida na literatura das Relações Internacionais, em especial entre os realistas mais voltados para as questões estratégicas. Alguns analistas chegaram a afirmar, no início do período pós-Guerra Fria, que o "equilíbrio" poderia ser mantido garantindo-se a capacidade nuclear de um número pequeno de potências regionais, que manteriam a ordem em suas áreas de influência e não brigariam entre si com o risco de botar tudo a perder, ou seja, a existência do planeta. Não à toa, em um outro filme, The Peacemaker (O pacificador), de 1997, um general americano afirma em meio a um problema com ogivas nucleares roubadas do arsenal russo: "God, I miss the Cold War".

O relacionamento das duas grandes potências durante a Guerra Fria foi realmente respeitoso dos limites, onde descansam os riscos. Não há registros, oficiais pelo menos, de enfrentamento direto entre soldados soviéticos e americanos no período, por exemplo. No entanto, isso não significa que o pior não poderia ter acontecido.

Afinal, o ponto principal dessa discussão é o dilema ético e moral causado pela existência de tamanho poder de destruição submetido à decisão humana. Como certa vez afirmou Rabindranath Tagore: "If in his eagerness for power, a nation multiplies his weapons at the cost of his soul, then it is he who is in much greater danger than his enemies".

Além da questão ética, há também aquela que diz respeito à finalidade do recurso público, o problema da prioridade de alocação. Estimativas na Índia, por exemplo, afirmam que o custo do programa nuclear local poderia colocar todas as crianças indianas em escolas bem cuidadas e gratuitas, em um país onde o analfabetismo gira em torno dos 40%.

Hoje, claro, há mais "instabilidade". Os conflitos são dispersos e numerosos mas, pelo menos até agora, de pequenas proporções. O atentado de 11 de Setembro matou 3 mil pessoas. O Brasil teve mais de 40 mil mortes no trânsito em 2010. As necessárias limitações ao poder de destruição do homem e ao credo na capacidade da razão humana de fazer a coisa certa sustentam a importância das discussões em torno do desarmamento internacional, das grandes potências inclusive.

Para saber mais:
Kennedy
Uma visão de paz
Os melhores discursos
de John F. Kennedy
Robert Dallek e Terry Golway (org.)
Tradução: Bárbara Duarte
apresentação à edição brasileira
Jorge Zahar Editor


Veja o discurso de John Kennedy que decretou o bloqueio naval a Cuba, no canal:
You Tube
MultiPensamento