sexta-feira, 20 de maio de 2011

The "L" word: passado, presente e futuro do liberalismo

Tradução para o inglês de livro de Domenico Losurdo e artigo no Brasil de Alberto Carlos Almeida ressaltam significados sociais equivocados da tradição política liberal e demonstram a necessidade de se expandir a percepção universal do conceito.

"O liberalismo é algo muito sério para ser deixado nas mãos dos liberais". A frase é do jornal italiano Il Gionarle, em referência ao livro de Domenico Losurdo Controstoria del liberalismo, cuja tradução em inglês, Liberalism: A Counter-History, foi lançada este mês na Inglaterra e nos Estados Unidos – há uma versão em português da obra, Contra-História do Liberalismo, publicada pela Idéias & Letras.


Domenico Losurdo é professor de filosofia da Universidade de Urbino e um dos mais festejados intelectuais europeus da atualidade. No livro, o autor desconstrói a tradição política liberal, mostrando que alguns de seus principais pensadores, como Locke, Burke, Tocqueville, Constant, Bentham, Sieyés e outros, estiveram todos ligados a práticas iliberais como a escravidão, o genocídio, o colonialismo e o racismo.


Até aí, nenhuma novidade. A simpatia de Thomas Jefferson e os Pais Fundadores americanos pela escravidão e a tomada de terras dos índios é conhecida, bem como as manifestações de John Locke, Edmund Burke e John Stuart Mill a favor da dominação e mesmo do extermínio de raças, contra a miscigenação e em defesa de operações militares britânicas no além-mar, como, por exemplo, na Guerra do Ópio, na China.


Mas, como escreveu Peter Clarke, autor de Keynes, The Twentieth Century's Most Influential Economist, no Financial Times, engana-se quem pensa que Domenico Losurdo conclui, depois de sua trajetória crítica pela história, que o mundo precisaria de menos liberalismo. Ao contrário, para o autor, há um déficit de liberalismo no pensamento político atual.


Segundo o próprio Losurdo, seu livro procura ressaltar os critérios do liberalismo  no sentido de superar as muitas "cláusulas de exclusão" que acabam por constituir a prática e o significado social da corrente e que acabam presentes na tradição política liberal, mas não são intrínsecos à filosofia política liberal e a seus valores centrais. Nesse sentido, liberdade, justiça, emancipação e democracia devem ser valores universalizados a partir do esforço consciente e crítico de que muitos liberais não cumpriram e não cumprem por total esta agenda seja na prática ou no pensamento.


No mesmo sentido, o artigo do cientista político Alberto Carlos Almeida, publicado no início do mês no jornal Valor, levanta discussão semelhante relacionada à realidade brasileira. (O artigo é restrito para assinantes e distribuí-lo aqui seria uma violação dos direitos autorais do texto, cuidado que parece não preocupar o Ministério do Planejamento.)


Noves fora a questão partidária, Alberto Carlos Almeida chama a atenção para a visão equivocada de liberalismo presente em boa parte da política brasileira atual, que na maioria das vezes restringe tal filosofia política ao âmbito da economia. "Grande parte de nossos políticos conservadores acredita que o liberalismo seja um conjunto de idéias que se aplica quase exclusivamente ao mundo econômico", escreveu Almeida.


"Trata-se de uma visão perneta, de uma visão distorcida do que seja o credo liberal. Mais do que isso, essa visão torta enfatiza o que o liberalismo tem de mais fraco e perde de vista a fonte de sua grande força", afirmou.


O autor ressalta que tal visão restrita de liberalismo põe de lado os "elementos mais importantes da doutrina liberal": a igualdade perante a lei e a igualdade de oportunidades. "É revolucionário para a desigual e injusta sociedade brasileira defender que a lei seja aplicada igualmente a todos", independentemente de renda, cargo, status, influência etc.


"É igualmente revolucionário defender que as pessoas dêem a sua largada na corrida profissional, isto é, entrem no mercado de trabalho, no mesmo ponto de partida", escreveu Almeida.


Foi também nesse sentido que publiquei, junto a Rodrigo de Almeida, os volumes um e dois da série O Brasil tem jeito?, pela editora Zahar. 


Em especial no segundo volume, Educação, saúde, justiça e segurança, publicado em 2007, ressaltamos, por exemplo, que uma sociedade não poderia se sentir completa sem uma mínima provisão igualitária de bens públicos básicos aos seus cidadãos, como educação pública ao menos até a universidade, saúde pública, acesso à justiça e segurança pública, e que isso se mostrava ainda mais perverso no Brasil diante da altíssima carga tributária brasileira.


Qual o sentido de um Estado, de uma autoridade política, que tanto arrecada e pouco provê de forma igualitária e universal?


Nesse contexto, não há dúvidas de que a máxima de Domenico Losurdo de que é preciso mais liberalismo, e não menos, se aplica com vigor no que diz respeito ao Brasil. Como afirma Alberto Carlos Almeida, "avançar nessa direção exige uma força política de peso que passe a compreender o real significado do liberalismo, muito além do seu aspecto econômico, e não tenha vergonha de defendê-lo". 


Em discordância com o cientista político, poderia apenas ressaltar que visões equivocadas e limitadas do liberalismo não aparecem somente entre nossos políticos de oposição, mas na própria cultura política brasileira. Prova cabal disso é nossa história e realidade. 

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Bin Laden e os arautos da vitória

Uma das melhores leituras que há no mercado sobre Osama Bin Laden e a Al-Qaeda, inclusive com tradução em português, é o livro do jornalista inglês Jason Burke, Al-Qaeda: A verdadeira história do radicalismo islâmico. Publicado pela Zahar, quando eu era um dos editores da casa, a obra derruba o mito da Al-Qaeda como uma organização de militantes e ativistas espalhados pelo mundo, interconectados pelas novas tecnologias e que obedeceriam a uma ordem centralizada e hierarquizada.

Jason Burke, que cobriu o mundo árabe e islâmico por mais de dez anos in loco para o jornal inglês The Observer, ligado ao grupo Guardian, conta que esse tipo de estrutura existiu somente até a intervenção americana no Afeganistão e que, depois disso, a Al Qaeda se tornou muito mais uma ideia, uma ideologia que passou a circular com força desde o Setembro de 2011 pelo subterrâneo do mundo radical islâmico, do que efetivamente uma organização. Para Burke, os grandes atentados posteriores em Madri, em 11 de março de 2004, e Londres, em 7 de julho de 2005, são prova disso. Destoam dos ataques da Al-Qaeda tradicional e apontam para um outro tipo de mobilização muito mais holística e ideológica do que hierárquica e centralizada.

Segundo o autor, a materialização comum do problema seria somente uma forma de se tornar a questão factível para o grande público e um tema das políticas internas dos países envolvidos, como a Grã-Bretanha e, principalmente, os Estados Unidos.

Por essa visão, a morte de Osama Bin Laden não modifica nada o cenário do terrorismo internacional, mas tem grande valia como capital político para seus arautos.