quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A "longue durée" da crise na Europa

Em artigo publicado no jornal britânico The Guardian, o professor Timothy Garton Ash prevê um longo caminho de dificuldades para a União Européia. Na verdade, "uma jornada aterrorizante para se tornar um poder mundial menor".

Professor de Estudos Europeus da Universidade Oxford e autor publicado no mundo inteiro, inclusive no Brasil, pela Companhia das Letras, Timothy Garton Ash aponta pelo menos quatro desafios fundamentais à União Européia.

Em primeiro lugar, a questão mais imediata gira em torno da dificuldade dos governos europeus de ganhar novamente a confiança dos mercados. Para Garton Ash, o obstáculo pode ser medido pelo  último anúncio da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, e do presidente francês, Nicolas Sarkozy, de que salvariam mais uma vez o euro. A declaração conjunta foi na ocasião acompanhada do rebaixamento da nota da poderosa economia alemã pela agência Standard & Poor's.

O segundo problema levantado por Garton Ash diz respeito a que tipo de união fiscal, de ferramentas novas de intervenção do Banco Central Europeu e de garantias dadas pela Alemanha serão suficientes para acalmar os mercados. Em especial, o professor da Universidade Oxford lembra do embate entre a vagarosidade da política procedimental européia e a velocidade dos mercados integrados globalmente.

Um terceiro ponto colocado no contexto pergunta quais dos atuais Estados-membros estarão dispostos a fazer parte de uma suposta união fiscal européia mais rígida e que instituições garantirão tal comportamento por parte de unidades soberanas. O dilema está no coração da União Européia e põe frente à frente a soberania dos países e dos governos em seus territórios e os limites da supranacionalidade.

Para finalizar, Timothy Garton Ash apresenta um problema de filosofia política econômica. Para o autor, as economias européias só sairão da crise quando voltarem a crescer. No entanto, os incentivos para o crescimento vão no sentido contrário da ortodoxia pregada por Paris e, em especial, por Berlim. A última pergunta do autor é simples: "What if the anti-Keynesian policies demanded by Germany mean that significant parts of the eurozone do not return to growth?"

Segundo Garton Ash, o mundo pode se preparar para uma Europa menos unida novamente.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O dilema político do secularismo no Egito

Blog coordenado por Marina Ottaway no Carnegie Endowment For International Peace acompanha de perto o processo de transição política no Egito e faz um alerta: a democracia no país depende da disposição de seculares e islâmicos de trabalharem juntos.

Como afirma a última análise publicada no blog, "Egypt´s Election, Take One", os primeiros resultados das eleições egípcias para o Parlamento, após o fim da Era Mubarak, mostram que o Partido da Justiça e Liberdade, ligado ao antigo e tradicional movimento islâmico Irmandade Muçulmana, recebeu algo em torno de 40% a 45% dos votos e o Partido islâmico linha dura Salafi al-Nour, os chamados salafistas, de 20% a 25% dos votos. Mesmo que o pleito tenha sido realizado em apenas nove das 27 regiões eleitorais do país, diz o texto, os resultados das duas próximas rodadas, marcadas para meados de dezembro e de janeiro, não devem ser muito diferentes.

Com isso, a análise do Carnegie Endowment sugere que a chance de o governo egípcio ser dominado pelos islâmicos, incluindo a linha-dura dos salafistas, ou por uma aliança entre o Justiça e Liberdade e os partidos seculares vai depender da capacidade destes últimos e também dos militares de aceitar a força política da Irmandade Muçulmana no país.

Caso os militares e os partidos seculares tentem a confrontação direta, a probabilidade maior, segundo o Carnegie Endowment, é de uma reação conjunta dos islâmicos, com o apoio da militância organizada dos partidos, em especial do Justiça e Liberdade. A juventude ligada à Irmandade Muçulmana já demonstrou, nas últimas manifestações no Cairo, que sai às ruas quando chamada.

Caso os militares e os partidos seculares aceitem a posição de força do Justiça e Liberdade, há uma chance, segundo os especialistas do Carnegie, de se ter no país um governo mais estável e compartilhado. A hipótese é apresentada em outra análise do centro, intitulada "The Muslim Brotherhood's Democratic Dilemma".

Segundo o texto, a Irmandade Muçulmana vem historicamente adotando uma tática política cautelosa que inclusive se tornou paradigma para outros movimentos islâmicos no Oriente Médio. Durante o regime de Hosni Mubarak, tal estratégia foi bem representada no slogan: "Participação, não dominação". Em troca do direito de participar, os islâmicos garantiam aos poderes hegemônicos que não procurariam substituí-los, a fim de não provocar uma reação que pudesse atrapalhar o crescimento contínuo de sua influência política. Da mesma forma, não obter o controle político total abstém os movimentos islâmicos de ter que lidar com os problemas sérios econômicos e de segurança da região, com os desgastes vinculados às questões do desemprego e do relacionamento com Israel, por exemplo.

As exceções recentes a essa estratégia teriam ocorrido apenas na Argélia, em 1992, e na Palestina, em 2006, e em ambos os casos o resultado foi uma guerra civil. Desde as manifestações de 25 de janeiro, no Egito, a Irmandade Muçulmana, segundo o Carnegie Endowment, demonstrava que, pelo menos até as eleições, ainda não havia abandonado esse comportamento.

O problema aqui, no entanto, de forma contraditória, é o tamanho do sucesso eleitoral do Justiça e Liberdade no pleito recente, o que coloca os islâmicos em face da tentação de assumir o controle político que as urnas lhes provêm. Mesmo assim, a Presidência ainda estaria aberta, o que não é pouco em se tratando do regime presidencialista egípcio.

Nesse sentido, não há dúvidas, o futuro da democracia no Egito dependeria da capacidade de islâmicos, militares e seculares de aceitarem o jogo político e os atores em cena, evitando assim um processo generalizado de radicalização. Depois de décadas de repressão e violência por parte de uma ditadura financiada em Washington, sob a justificativa de não perder o Cairo para os movimentos islâmicos – afinal, o Egito de Hosni Mubarak chegou a compartilhar com Israel e Colômbia o rol dos três países que mais recebiam financiamento norte-americano no mundo –, o povo egípcio se vê hoje às voltas com uma questão tão fundamental quanto inevitável: sua própria identidade política.