sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Nada de internet, a revolução vem da TV


Uma excelente análise de Charles Kenny publicada na última edição impressa da revista Foreign Policy sugere que não será a internet o motor tecnológico transformador da realidade social global nas próximas décadas, mas a televisão. Segundo o autor, a disseminação global da televisão acompanhada da proliferação digital de canais têm o potencial de modificar o comportamento das mulheres com relação à taxa de natalidade, tornar mais difícil a corrupção política e diminuir a incidência de guerras no planeta.

Como mostra Kenny, em 2007 havia mais de uma televisão para cada quatro pessoas no planeta. Mais de um bilhão de casas no mundo tinham o aparelho naquele ano. Mas outros 150 milhões de lares o possuirão até 2013. Hoje, metade das famílias indianas tem TV, em relação ao um terço de 2001. No Brasil, o índice atual é de mais de 75%. Em comparação, apenas 7% dos indianos e um terço dos brasileiros têm acesso à internet.

Além disso, há uma explosão da escolha em andamento. Em 2013, metade das televisões do mundo estarão recebendo sinal digital, o que significa mais canais. De fato, quase dois terços dos lares na Índia com TV já possuem canais por assinatura. Nos Estados Unidos de hoje, a média de canais por lar chega a 119.

Com relação à liberdade da mulher, Kenny cita pesquisas que tratam da realidade brasileira. “Em um país onde o divórcio só foi legalizado em 1977, quase um quinto das personagens femininas em novelas da Globo são divorciadas. E um quarto das mesmas são infiéis. Além disso, 72% das personagens femininas nas novelas não têm filhos e apenas 7% têm mais de uma criança. Em 1970, a taxa de natalidade média da mulher brasileira era seis vezes maior. Nesse sentido, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento, assistir novelas da Globo têm o mesmo impacto, no que diz respeito à taxa de natalidade e nas áreas mais pobres, que dois anos a mais de educação.

A influência positiva nesse campo, no entanto, é contraposta por Charles Kenny quando o assunto é política. Com baixíssima concorrência, a Globo tem poder para controlar eleições, como a de 1989. Segundo pesquisa de Taylor Boas, as pessoas que assistiam televisão freqüentemente em 1989 tiveram 13% mais chance de votar em Fernando Collor do que aquelas que se mantinham distantes do aparelho. “Em um país rico em escolhas, como os Estados Unidos, não é possível identificar qualquer padrão entre horas de televisão e propensão para votar”, afirma Kenny. De fato, a Globo hoje gera uma armadilha de linguagem à política brasileira, absurdamente maléfica. Em especial no Rio de Janeiro, onde o jornal impresso da empresa também é o dominante.

Com relação à paz mundial, o autor afirma que a televisão reforça o cosmopolitismo e o senso de humanidade, fazendo com que as pessoas sejam mais sensíveis à guerra. Nos Estados Unidos, um minuto a mais de cobertura sobre o tsunami na Ásia, por exemplo, gerava 13% de aumento nas doações para os atingidos.

“Ver televisão expõe as pessoas a novas idéias e a povos diferentes. Com isso, surgem grandes oportunidades, a tendência à igualdade se fortalece e o mundo se torna mais inteligível”, afirma Charles Kenny. 

Alguém duvida?

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O nacional e o regional da violência no Rio

O testemunho "Assessing U.S. Drug Policy in the Americas" feito pelo vice-presidente do International Crisis Group (ICG), Mark Schneider, no último dia 15 de outubro, no Congresso americano, aponta para dois pontos fundamentais do combate ao tráfico de drogas e da violência que são pouco explorados no debate brasileiro sobre a situação do Rio de Janeiro: a perspectiva regional (e por isso também nacional) do problema e o "efeito mercúrio" gerado pela política de repressão simples e tacanha.

Apesar dos esforços do Plano Colômbia, de Bill Clinton, e da Iniciativa Contra as Drogas nos Andes, de George W. Bush, Schneider citou o último relatório do Departamento da Casa Branca para a Política Nacional de Controle das Drogas (ONDCP, na sigla em inglês) para mostrar que a produção de cocaína nos Andes se mantém firme e forte, inclusive crescendo. De fato, o ONDCP afirma que, em 2007, foi produzida uma quantidade recorde de folhas de coca na região, a maior dos últimos 20 anos. Com isso, foram produzidas, no ano passado, na Colômbia, Bolívia e no Peru, 865 toneladas de cocaína. Ao mesmo tempo, a estimativa de hectares utilizados para o plantio ultrapassou os 230 mil - eram 166 mil em 2004.

Na verdade, Schneider mostrou que, ao longo do tempo, variaram muito pouco os níveis acumulados de cultivo e produção de cocaína nos Andes. Desde os anos 1980, a única mudança efetiva que se percebe é o deslocamento da produção do Peru e da Bolívia para a Colômbia, nos anos 1990.


No total produzido na região, pode-se perceber a mesma dinâmica, de baixa variação.

De fato, os esforços envolvidos conseguiram produzir apenas pequenas mudanças na produção e no transporte. No que diz respeito à produção, o cultivo tem se deslocado para áreas mais remotas, causando desflorestamento. Além disso, tem se posicionado de forma mais dispersa. Em 1999, 12 dos 34 departamentos colombianos estavam envolvidos com a produção de cocaína. Em 2008, o número passou para 25.

As políticas americanas, segundo Schneider, produziram uma mudança também no transporte, agora deslocado para países que antes não faziam parte da rota. Segundo argumenta o vice-presidente do ICG, o desmonte dos cartéis colombianos nos anos 1990 fortaleceu as organizações traficantes mexicanas, que hoje controlam 90% da entrada de cocaína nos Estados Unidos. Mas as pressões recentes implementadas pelo Iniciativa Mérida, também conhecida como Plano México, forçaram os traficantes a buscar rotas alternativas na América Central e no Caribe, passando pela Venezuela.

Dessa forma, no ano passado, 65% dos carregamentos de cocaína que deixaram os Andes rumo aos Estados Unidos passaram primeiro pela América Central, em especial pela Guatemala. Não por acaso, o número de homicídios nesse país em 2008 chegou a 6200, bem próximo do índice mexicano.

Isso é o que os especialistas chamam de "efeito mercúrio", em analogia ao fato de que o mercúrio líquido se decompõe em várias partes quando pressionado. "Pressões diretas sobre Colômbia e México apenas dispersaram o cultivo e o transporte de drogas para os Estados Unidos", afirmou Schneider.

Do depoimento, podem ser tiradas algumas conclusões sobre a situação no Rio de Janeiro. A primeira é a de que a repressão pura e simples não funciona, e há quase que um consenso científico (não político) em torno dessa idéia. O combate puro e simples gera um conflito de custos altíssimos para a sociedade e as instituições. É necessário, na verdade, como afirma Schneider, reforçar as instituições para que a lei seja de fato cumprida. Esse reforço deve estar acompanhado de investimentos na geração de emprego e oportunidades aos envolvidos na produção e no tráfico, bem como no tratamento médico dos usuários locais.

A segunda conclusão é que o tema não pode ser tratado de forma localizada, mas regional e nacionalmente. A repressão no Rio de Janeiro pode gerar um "efeito mercúrio" e disseminar o tráfico pelo país. Além disso, mais de 800 toneladas de cocaína são produzidas anualmente ao lado de nossas fronteiras, por 230 mil hectares plantados nos vizinhos Colômbia, Peru e Bolívia. O deslocamento dessa produção para a Europa e os Estados Unidos é uma enorme e lucrativa possibilidade de negócio que invade a fronteira brasileira. Além disso, o próprio mercado brasileiro pode se tornar crescentemente promissor com o aumento da renda interna.

Não à toa, há indícios, por exemplo, de que o Mato Grosso se tornou uma importante rota do tráfico de armas e drogas no Brasil. Além disso, no último mês de agosto, a Polícia Federal brasileira descobriu uma operação que envolvia aviões vindos das regiões produtoras da Bolívia e que pousavam em Goiás. De fazendas na região, a cocaína era distribuída para Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Nordeste. Em junho, o Ministério Público Federal denunciou uma quadrilha em Governador Valadares (MG). Por intermédio de uma empresa de turismo local, os traficantes levavam a cocaína dos Andes para a Europa. Em setembro, uma mulher foi presa com seis quilos de cocaína no aeroporto Afonso Pena, em Curitiba. Segundo a Polícia Federal, um indício de que os traficantes estão evitando fazer o embarque com drogas no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, por conta da intensa fiscalização, e optando por aeroportos de outras cidades que tenham conexão internacional, como o de Curitiba. Da mesma forma, em março desse ano, o relatório anual do Departamento de Estado americano apontou as "conexões internacionais" de organizações criminosas brasileiras como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho carioca, como reportou a Folha.

A repressão pura e simples e o combate localizado não são soluções viáveis para o problema das drogas e da violência gerada pelo tráfico. É preciso sair do ciclo vicioso político (e midiático) que apenas reproduz a situação e seus fatos jornalísticos. A campanha presidencial de 2010 pode ser um bom momento para reposicionar o problema na política brasileira, de modo que ganhe expressão nacional, regional e, especialmente, humanitária.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Como a Olimpíada transformou Barcelona


Uma interessante análise de Ferran Brunet, da Universidade Autònoma de Barcelona, dá um bom panorama do que pode ocorrer com o Rio de Janeiro, cidade-sede das Olímpiadas de 2016. Barcelona, entre Atlanta, Sydney, Pequim e Londres, todas cidades-sedes depois da espanhola, talvez seja a mais próxima do Rio, em termos de cultura e contexto.
Em "An economic analysis of the Barcelona'92 Olympic Games: resources, financing and impacts", Brunet argumenta que a transição espanhola para a democracia iniciada em 1975 coincidiu com uma grave crise econômica que teve impactos fortes em Barcelona, como a transferência de certas indústrias para outras regiões, a estagnação da população e a baixa atividade política. Dessa forma, segundo o autor, o melhor modo de revitalizar a cidade, que proporcionou esforços conjuntos de renovação urbana e projeção externa, foi sua nomeação para sede dos Jogos Olímpicos de 1992. Entre outubro de 1986, quando foi escolhida, até o verão europeu de 1992, Barcelona "saiu da depressão para a prosperidade".
O autor argumenta que um dado importante do sucesso foi o estabelecimento de um modelo de organização que tinha como objetivo fundamental, além daqueles do espírito olímpico, proporcionar uma ampla transformação urbana da cidade, que pudesse melhorar a qualidade de vida da população e tornar Barcelona mais atrativa interna e externamente. "Entre 1986 e 1993, Barcelona sofreu a mais dramática transformação urbana de toda a Europa".
Em uma ação conjunta da prefeitura de Barcelona, do governo espanhol, do governo autônomo da Catalunha e dos comitês olímpicos espanhol e internacional, foram criados núcleos administrativos com pessoas não-associadas à administração pública da cidade. Foram fechadas grandes parcerias público-privadas e foi feita uma separação essencial entre a gestão dos investimentos e da organização dos jogos, com pessoal especializado na administração de suas respectivas áreas.
Segundo dados da prefeitura de Barcelona, entre 1985 e 1992 - sete anos, o mesmo espaço de tempo entre hoje e 2016 -, o consumo elétrico da cidade cresceu 29.7%. Na mesma proporção aumentou o consumo de gás. A produção de lixo por habitante cresceu 56%, o volume de passageiros que entraram e saíram pelos aeroportos da cidade aumentou 66.6%, em vôos nacionais, e 119%, em vôos internacionais. Os telefonemas interurbanos cresceram 44%; e de Barcelona para fora do país, 306.2%.
Fechado o caixa das Olímpiadas, em julho de 1993, a renda gerada alcançara 1,638 bilhão de dólares e foram gastos pelo Comitè Organizador Olimpic Barcelona 1992, S.A. 1,635 bilhão de dólares, 1/3 deles via patrocinadores. Outro terço gerado pelos direitos da televisão. E o restante dividido entre as várias instâncias públicas e olímpicas que participam da organização dos jogos.
Entre os gastos do Comitê, 49.9% deles foram em serviços. Com pessoal, a organização de Barcelona gastou apenas 11.2% dos recursos, e 5.1% na compra de materiais. Com isso, os investimentos na cidade feitos pelo próprio Comitê Olímpico foram 33% de suas despesas. Quanto maior for a parcela de investimentos nos gastos, maior será o legado para a cidade, comenta Brunet.
Nesse sentido, os principais focos de todo o investimento na cidade gerado pelos Jogos foram em estradas e infra-estrutura de transporte, habitação, escritórios e salas comerciais, telecomunicações e serviços tecnológicos, hotelaria, construções esportivas e infra-estrutura de meio ambiente.
Cerca de 32% dos projetos foram levados à frente pela iniciativa privada, um terço deles com capital estrangeiro. As áreas mais afetadas foram habitação, hotéis, centros empresariais e materiais de transporte. Investimentos públicos e de estatais contribuíram com 67.3% do total das atividades em torno dos Jogos.
Alguns problemas apontados mais diretamente foram o aumento do custo de vida em 20% entre 1983, quando foi anunciada a candidatura, e 1992. A forte elevação das transações em dólares causou também pressão sobre o câmbio, e foi estabelecida uma referência cambial específica para os negócios em dólares envolvendo os Jogos Olímpicos.
Com relação aos custos dos Jogos e seu financiamento, uma distinção foi feita entre as despesas com organização e aquelas investidas em projetos. As últimas foram produto de investimentos diretos e indiretos na cidade, e investimentos induzidos pelo evento, que, novamente, deixam um legado para a população e a região. Com isso, o custo real das Olimpíadas representou apenas 14.5% de todo o orçamento. Por outro lado, 85% do gasto total com os Jogos Olímpicos de 1992 foram investimentos em Barcelona.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O risco do envolvimento em Honduras


Excelente análise da Reuters aborda os riscos do envolvimento brasileiro em Honduras. Para muitos analistas, a política externa brasileira aproveitou a brecha para reforçar sua posição no continente americano, mas a aposta pode ser bastante custosa para Brasília.


Voluntariamente, a política externa brasileira se colocou dentro de um impasse que não lhe dizia respeito e numa posição sem espaço para manobras. Agora, são poucas as opções na mesa. Não há perspectiva de negociação, nem de se conseguir amplo apoio externo (o problema agora é do Brasil), e os focos de tensão envolvendo a embaixada brasileira são muitos.


O Council of the Americas tem uma boa página de artigos variados sobre o tema.

O futuro das finanças globais


A série Crossroads - essays examining changes in the collective American experience - do Sunday Book Review (New York Times) publicou, no último dia 17 de setembro, o texto The Future of Global Finance, de Liaquat Ahamed, autor do best-seller nos EUA, Lords of Finance: The Bankers Who Broke The World.


O artigo é um excelente apanhado do vem sendo debatido sobre o futuro da economia internacional pós-crise. Um possível cenário, aponta Ahamed, prevê um grande ajuste no consumo americano, no modelo exportador asiático - que muitos defenderam para o Brasil nos anos 1990 - e nos bancos que lidam com as finanças globalizadas. O receio é de um forte processo de "desglobalização", como o que ocorreu após a Grande Depressão.


"One scenario has the world adjusting smoothly to the new realities. American consumers, tapped out by debt, tighten their belts. The Asian economies reconsider the wisdom of relying so heavily on exports to drive their growth and focus more on domestic consumption. And with less money to recycle, international banks, which had done such a poor job, are cut down to size."


Mas, para o analista, a situação ainda pode ficar pior no mercado global.


"[T]wo dangers could make the current bad situation worse. One is that China finds it too difficult or politically costly to restructure its economy and, despite the changes in the global market, keeps its foot on the export accelerator. Since the American consumer cannot afford to keep buying, this would set off a cycle of trade wars among Asian countries competing for ever smaller markets.


The second is yet another version of Triffin’s dilemma: if even a small fraction of foreign holders of dollars were to be spooked by our budgetary problems, we could have a spike in the cost of capital just when the economy is trying to recover. The risk of such a situation is clearly on the minds of Chinese policy makers. Zhou Xiaochuan, the governor of the People’s Bank of China, explicitly referred to Triffin’s dilemma in a speech this March on the need for reform of the international monetary system."


Sobre o problema do déficit americano em conta corrente, discutido por Ahamed, diz o Peterson Institute for International Economics:


"The global current account deficit of the United States is now larger than it has ever been—nearing $800 billion, almost 7 percent of US GDP. To finance both the current account deficit and its own sizable foreign investments, the United States must import about $1 trillion of foreign capital every year or more than $4 billion every working day. The situation is unsustainable in both international financial and domestic political (i.e., trade policy) terms. Correcting it must be the highest priority for US foreign economic policy. The most constructive remedy in the short term is a three-part package that includes credible, sizable reductions in the US budget deficit, expansion of domestic demand in major economies outside the United States, and a gradual but substantial realignment of exchange rates."