quinta-feira, 10 de maio de 2012

No Brasil, defesa vem antes de saúde e educação

Deu no Contas Abertas: de 2001 a 2011, o Ministério da Defesa investiu R$ 35,7 bilhões, o dobro do Ministério da Saúde, R$ 16,4 bilhões, e bem mais que o Ministério da Educação, R$ 22,4 bilhões.

E a situação se mantém. Segundo a organização, o maior montante de recursos aplicados pela União até agora, em 2012, foi para o Projeto KC-X, do Ministério da Defesa, no desenvolvimento de um cargueiro tático militar de 10 a 20 toneladas. Foram investidos até então no projeto quase R$ 465 milhões e a previsão é de que o desembolso chegue a quase R$ 745 milhões este ano.

No mesmo período, entre janeiro e abril deste ano, o principal programa do Ministério da Educação recebeu quase R$ 155 milhões para o apoio à educação básica, com contribuições às instituições de ensino que atuam na educação infantil, fundamental e média. Como afirma o Contas Abertas, "outra iniciativa, de implantação de escolas para educação infantil, que pretende dar apoio à reestruturação da rede física pública da educação básica, desembolsou R$ 132,6 milhões".

Na saúde, o maior desembolso, voltado para melhorias nos sistemas públicos de saneamento básico em municípios de até 50 mil habitantes, foi de pouco mais de R$ 170 milhões. Outro grande projeto, voltado para melhorias no abastecimento de água dos mesmos municípios, recebeu pouco mais de R$ 38 milhões dos R$ 280 milhões autorizados.

O Contas Abertas mostra que também o ritmo do desembolso é desigual. "O programa de infraestrutura para educação básica, que deve investir na melhoria de escolas em todo país, aplicou apenas R$ 53,1 milhões, dos quase R$ 1,5 bilhão previsto para este ano. Já o projeto de implantação de estaleiro e base naval para a construção e manutenção de submarinos convencionais e nucleares, investiu R$ 136,7 milhões, cerca de 11,24% dos R$ 1,2 bilhão autorizado".

Este talvez seja um ponto central da política no Brasil contemporâneo, a questão da identidade da comunidade política brasileira. Debate-se muito "o que fazer" e "quem fez" ou o "quem faz" da política, uma contribuição perversa da mídia de massa, mas pouco "o que somos" e menos ainda "o que queremos ser".

O Brasil é hoje a sexta economia do mundo e uma das sociedades mais injustas do planeta. A população paga quase 40% do PIB em impostos, no nível de uma Austrália e Alemanha, e não tem sequer um bem público universalmente consolidado. Não tem educação básica ou saúde pública com padrões mínimos de qualidade, não tem acesso à justiça garantido e universalizado e não tem segurança pública eficaz em uma boa proporção do território.

Como na crítica de Isaiah Berlin sobre a preponderância da metafísica platônica no pensamento político, ao menos ocidental, o que reduziria a política ao terreno da técnica, estabelecemos um ideal de sociedade (aqui no Brasil historicamente ligado ao desenvolvimento econômico) e debatemos como chegar lá e quem é ou seria a melhor opção para comandar o país, mas pouco pensamos sobre o que é ou deveria ser este objetivo final de nós mesmos ou o que queremos ser, afinal. Queremos escolas, hospitais, justiça ou submarinos nucleares?

2 comentários:

  1. Queremos escolas, hospitais, justiça E submarinos nucleares, também. Seja por uma questão de formação do caráter do brasileiro, seja pelo ensino de História totalmente torto e viesado para o lado do "Brasil pacífico" (um mito FALSO!), seja até por um "ranço" anti-militar provocado pela ditadura, tende-se, no Brasil, a relegar a Defesa a um plano inferior, como se investir em Defesa fosse jogar dinheiro fora. Não é.

    A inserção internacional do Brasil, até hoje, vem se dando principalmente pela via do "soft power": incentivo aos fóruns multilaterais, tentativas de mediação de diálogo em questões internacionais, busca de uma ordem de comércio internacional mais "justa" para os países emergentes e pobres. Isso não basta, não é suficiente.

    Temos um pleito histórico de fazer parte do Conselho de Segurança da ONU como membro-permanente. Só com conversa e boas intenções, sinto muito, não vai rolar. A questão do tráfico de drogas e armas, que entram e saem do país como querem, através de nossas porosas e remotas fronteiras, e que vêm se tornando um caos as políticas de segurança pública dos grandes e médios centros urbanos. A questão da Defesa da plataforma continental brasileira, onde estão praticamente 90% das reservas brasileiras de petróleo e gás natural.

    Hoje somos um país debilitado em termos de Forças Armadas. Um país continental, com uma série de questões complexas de fronteira, com cada vez mais peso na política internacional, e que teria sérias dificuldades para se defender.

    Portanto, Educação e Saúde são vitais, sim. Tão vitais quanto a Defesa Nacional. Relegar este tema a segundo plano, como algo menos importante, é um erro absurdo.

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  2. CRLima,

    Obrigado pela leitura e pelo comentário. Parto da premissa de que a alocação de recursos trabalha em contexto de escassez, em um tempo histórico específico. Nessa situação, é preciso estabelecer prioridades, como num jogo de soma zero. A questão da identidade política é dinâmica, um processo histórico. A pergunta é, agora, neste momento histórico específico, é prioridade termos um submarino nuclear, frente a todos os outros problemas que temos no país? A minha impressão é a de que há uma rigidez no modelo de nação (nacionalismo) que perpetua determinadas injustiças históricas.

    Um abraço,
    Arthur

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