segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Quem somos, quanto custamos e a questão política da identidade

Artigo do professor Rogério Werneck, publicado no Globo, chama a atenção para o "descaminho fiscal" do Estado brasileiro. Gastamos bilhões com as empresas e pouco com nossas redes de esgoto.

Primeiro ponto apontado por Werneck: a arrecadação não pára de subir. "Nos nove meses deste ano, a receita federal mostrou aumento de nada menos que 12,9% acima da inflação", escreveu, sobre uma carga tributária que alcança 35% do PIB, mais de um terço de toda a renda gerada no país ou quatro meses de trabalho.

Segundo ponto: nossa rede de esgoto. O professor levanta dois relatórios publicados pelo IBGE, Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2008 e Atlas de Saneamento 2011. Em 2008, apenas 44% dos domicílios brasileiros tinham acesso à rede de esgoto; 45% dos 5564 municípios não tinham qualquer tipo de rede coletora.

Nessa situação, o poder público investiu, segundo Werneck, algo em torno de R$ 7,5 bilhões nesse tipo de infraestrutura em 2010. Para o BNDES, desde 2008, o Tesouro já transferiu R$ 300 bilhões, R$ 70 bilhões somente na capitalização da Petrobrás.

Essa, ao meu ver, é a questão fundamental da identidade do Estado brasileiro, do próprio sentido da política no Brasil. Mais importante até do que o "quanto custamos" é pensar no "quem somos" ou "quem queremos ser", a questão política da identidade. Hoje somos uma potência emergente capitalista calcada na expansão do consumo. Quem você quer ser?

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Rara lucidez tardia sobre a morte de Kadafi

O professor Stephen Walt, da Escola Kennedy de Governo, na Universidade Harvard, pode ter demorado um pouco, como mesmo escreveu em seu blog, para reagir à morte de Muammar Kadafi. Mas, como na maioria dos casos em torno do texto e do pensamento, o "atraso" pouco importa, ainda mais quando o autor está tão perto da lucidez.

Walt faz um apanhado de pontos positivos e negativos sobre o desfecho da crise na Líbia. Segundo ele, se a morte de qualquer ser humano não deve ser motivo de celebração, não há motivos também para o luto. Afinal, trata-se do fim de um "ditador brutal e megalomaníaco" que não hesitava em eliminar qualquer tipo de oposição, apoiou ações terroristas dentro e fora de seu país e apropriou-se indevidamente das riquezas nacionais líbias, em detrimento das condições de vida da população. Nesse contexto notório de atrocidades, não é de se admirar a revolta de muitos – inclusive deste autor – ao ver mais de uma vez o presidente Lula às voltas com o ditador.

Da mesma forma, Walt chama a atenção para o relativo sucesso da intervenção estrangeira na Líbia, feita de forma pontual e com a participação de várias potências e não somente dos Estados Unidos. "A decisão de intervir pode ter reforçado a percepção de que os Estados Unidos apóiam as mudanças democráticas no Oriente Médio e manteve vivo o momentum da Primavera Árabe", afirmou Walt. O fim de Kadafi deve também causar algum impacto sobre outros ditadores da região e pode levar alguns deles a procurar uma saída segura em vez de correr o risco de ir até o fim e acabar como o ex-líder líbio.

Para completar os benefícios do desfecho, um julgamento duradouro e prolongado de Kadafi, segundo Walt, ocuparia muito tempo e energia dos líbios, que agora podem se dedicar ao máximo à difícil missão de levar à frente a reconstrução da ordem política no país.

No entanto, além dos pontos positivos, Stephen Walt faz uma lista de cinco questões que tamém devem ser consideradas. Em primeiro lugar, pesa o fato de que Kadafi concordou em 2003 em abrir mão do desenvolvimento de armas nucleares em troca de uma promessa dos Estados Unidos de não derrubá-lo. No mesmo sentido, Kadafi passou a ganhar uma atenção maior de Washington e também de Londres com um comportamento internacional mais moderado, que incluía uma posição contrária ao terrorismo. Nesse contexto, mais uma vez sai fortalecida a idéia de que possuir armas nucleares é o único meio de governos de legitimidade duvidosa de dissuadir as grandes potências, em especial os Estados Unidos, de levar à frente ou apoiar processos de mudança de regime.

Em segundo lugar, se a queda de Kadafi pode ter gerado a percepção de que Washington apóia a Primavera Árabe, deixa claro também o posicionamento ambíguo dos Estados Unidos em relação ao Oriente Médio. Afinal, a Casa Branca negociou no passado com um suposto Kadafi reformista e não condena da mesma forma todos os governos e todas as atrocidades cometidas por líderes da região, fazendo vista grossa notória em alguns casos.

Em terceiro lugar, os Estados Unidos e a Otan, segundo Walt, claramente excederam o mandato dado pelo Conselho de Segurança da ONU no que diz respeito à intervenção na Líbia, e os custos desse comportamento devem ser cobrados no longo prazo, em especial por Pequim e Moscou.

Além disso, o futuro da Líbia é mais que incerto, afirma o especialista. Nesse contexto, Walt espera que os erros cometidos no Iraque e no Afeganistão sejam evitados. "Potências estrangeiras podem ajudar na derrubada de certos governos, mas o destino de qualquer país está nas mãos de seus cidadãos", afirma.

Finalmente, a máxima que fica segundo Walt, em referência a Tucídides, não é das melhores para o sistema internacional. "In the end, the strong did what they could, and the weak suffered the consequences".

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O voto distrital e o empoderamento do cidadão no sistema político brasileiro

Mais de cento e dez mil pessoas já deram seu apoio à campanha pelo voto distrital no Brasil, inclusive este autor. O que é o voto distrital e por que apoiá-lo?

Em termos institucionais, a principal mudança que o sistema distrital apresenta é na territorialidade do voto. No modelo atual, proporcional, os partidos políticos ganham assentos nas instâncias representativas - a Câmara dos Deputados e as assembléias legislativas estaduais e municiapais - em proporção ao número de votos que a legenda e seus candidatos recebem no pleito. Ou seja, há um número de assentos que são preenchidos pelos partidos proporcionalmente à quantidade de votos que as agremiações recebem. Por exemplo, se um partido qualquer recebe 60% dos votos na eleição, terá 60% dos votos na legislatura que disputa. As cadeiras são, dessa forma, distribuídas pelos partidos entre os seus candidatos mais votados.

A grande vantagem desse tipo de votação é, teoricamente, a representação proporcional de todas as correntes ideológicas, já que um sistema do tipo majoritário, por exemplo, torna a vida das posições minoritárias mais complicada. As desvantagens são a possibilidade que um candidato muito votado tem de eleger outros do seu partido de pouca expressão eleitoral, a amplitude territorial das campanhas, em especial em países grandes como o Brasil, e o alto número de votos necessários para que o candidato seja eleito. Os dois últimos pontos são normalmente associados aos altos custos das campanhas e ao distanciamento entre a representação e o eleitorado. Além disso, está normalmente vinculado à representação proporcional um número excessivo de partidos, que muitas vezes são usados apenas como fachada para a eleição de um candidato mais popular.

O voto distrital divide a territorialidade do voto de outra maneira. Os estados brasileiros, por exemplo, seriam divididos internamente em várias regiões ou distritos com aproximadamente o mesmo número de habitantes cada um. A região ou o distrito, assim, elegeria, por votação majoritária, um candidato para ser seu representante na Câmara dos Deputados. Normalmente, as vantagens desse sistema são o custo mais baixo das campanhas, limitadas territorialmente, e uma aproximação maior do representante político com seus eleitores. As desvantagens são o excessivo localismo, que traz prejuízos às discussões mais amplas, às "questões nacionais", e as dificuldades que coloca à representação de posições minoritárias.

Ambos os sistemas trazem custos e benefícios, mas, no caso específico brasileiro, o voto distrital traz, ao meu ver, um ganho fundamental: a maior aproximação do eleitorado com os políticos. Não em função dos escândalos de corrupção, como vem sendo em geral hoje levantado, o que pode ser contingencial e não necessariamente ligado ao sistema representativo, mas pela excessiva distância entre representantes e representados que ocorre numa democracia em um país de território muito amplo.

Muito mais que uma autoridade, o representante eleito é um servidor da população, serve ao seu eleitor, ao cidadão. O voto distrital, nesse sentido, poderia reforçar a noção republicana, bastante enfraquecida no Brasil, tanto no que diz respeito ao serviço público quanto à representação política, de que é o cidadão o principal mandante numa democracia. Tanto o serviço público quanto a representação política servem o cidadão no regime democrático e, nesse sentido, é preciso inverter a hierarquia política no Brasil em favor do cidadão. Por isso o voto distrital é tão importante e merece apoio a campanha em voga, por reforçar a enfraquecida posição hierárquica do cidadão no sistema político brasileiro.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A corrupção e a cultura política no Brasil: Universidade e republicanismo

A corrupção política é um tema sensível hoje no meio acadêmico brasileiro, não sem motivos. Mesmo assim, está na academia, em especial naquela mais apartidária, a melhor forma de lidar com o problema.

Em primeiro lugar, há o tradicional pendor para a esquerda da Universidade no Brasil, que se representa na simpatia histórica da área pelo Partido dos Trabalhadores. O PT sempre teve na academia uma base eleitoral forte, tanto entre funcionários como professores, o que inclusive explica uma retomada do investimento federal nas instituições de ensino superior no governo Lula, em especial no segundo mandato.

Além disso, a questão da corrupção foi abraçada com vigor pela mídia conservadora no Brasil, que soma seus esforços quase conspiratórios ao trabalho constante mas menor do liberalismo progressista brasileiro. Nesse contexto, aceitar a "veracidade" dos escândalos seria algo como "comprar" o argumento da "mídia hegemônica", e o caso do ministro dos Esportes, por exemplo, se reduz assim a uma partida de futebol entre o time do bem e o do mal, com prejuízo para todos.

Uma outra interpretação que envolve a mídia é a de que, na verdade, essa agenda toda focada na corrupção atrapalha o país. Afinal, há vários outros problemas importantes, em especial nos terrenos da educação, da saúde, da segurança social e de infraestrutura, que acabam ganhando pouco espaço frente aos temas da corrupção e também da economia.

Em outro caminho, há os que se refugiam na idéia de que a corrupção existe em todas as sociedades e que, contanto que tudo esteja bem, dá para sobreviver aos sucessivos escândalos. O atraso, afinal, está contabilizado no chamado "custo da democracia" e não vale a pena, em termos de preço e esforço, fazer algo como uma cruzada contra a corrupção – como também não contra as drogas ou o terrorismo internacional. Toma muito trabalho, tempo, espaço e capital para ganhos muito reduzidos.

Se nada disso for suficiente, ainda resta a opção de dizer que a corrupção é uma instituição cultural no Brasil. O brasileiro assim seria algo como um malandro carioca nacionalizado que luta para se dar bem em terreno adverso, sem preocupações muito rígidas com questões éticas e morais.

Apesar do labirinto ideológico em torno do tema, percebe-se facilmente na academia, principalmente naquela mais apartidária, uma reflexão saudável sobre a questão com base nos aspectos republicanos da democracia.

Ora, um antigo e notório problema da cultura política brasileira está no tratamento da coisa pública, da res publica. O público no Brasil, com a exceção distante dos palácios brasilienses, é esteticamente feio, maltrapilho, mal cuidado, decrépito, desrespeitoso, burocratizado, custoso, ineficiente, corrupto, egoísta, coorporativista, preguiçoso, entre outros adjetivos nada nobres. Tal situação, se não produz, propicia o abuso e o avanço particular, muitas vezes de caráter duvidoso, sobre o terreno sem dono.

Uma forma republicana de combate à corrupção seria um investimento social generalizado de atenção e esforço numa agenda pública consistente que envolvesse a provisão universal de bens públicos de qualidade à sociedade brasileira, incluindo, principalmente, educação básica, saúde, justiça e segurança. Tamanho desafio correria apenas o risco revolucionário de constituir uma nação verdadeiramente republicana, inculcar o espírito cidadão em nossa sociedade e fixar ideais de igualdade e justiça social à identidade política brasileira. Estaremos preparados para tanto?

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O bem que não faz uma tradição e a inauguração do Memorial Martin Luther King, em Washington

No último domingo, foi oficialmente inaugurado em Washington o Memorial Nacional Martin Luther King, Jr. A estátua central de nove metros, feita de granito, foi construída próxima ao local onde o líder negro proferiu o discurso histórico "Eu tenho um sonho", na marcha de 1963.

O parque – como são chamados nos Estados Unidos os Parques Memoriais (Memorial Parks) – fica no National Mall, uma área aberta que vai do Memorial Lincoln ao Congresso americano e que inclui, entre outros, o Memorial aos Veteranos do Vietnã, os Jardins da Constituição, o Memorial da Segunda Guerra Mundial e o monumento a George Washington.

A cerimônia de abertura estava inicialmente programada para agosto, mas, por causa do furacão Hurricane, foi adiada para o último dia 16. Contou, claro, com a presença do presidente Barack Obama. "Um terremoto e um furacão podem ter adiado este dia, mas este dia não nos seria negado", disse Obama, aos pés da estátua.

Para o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, a ocasião não poderia ser mais propícia. Com belas palavras mas baixos índices de popularidade – em torno dos 50% de aprovação –, Barack Obama invocou o espírito de Martin Luther King para mobilizar sua base política a enfrentar uma situação marcada por graves problemas econômicos, incluindo alto desemprego, e sinais de turbulência política, como nas "ocupações" que começam a se espalhar pelo país.

Foi assim com Carter, foi assim com George Bush (o pai). Os dois são os únicos da era pós-Roosevelt que não se elegeram como incumbentes, ou seja, disputaram a segunda eleição como presidentes mas perderam. Nos Estados Unidos, pleitos em épocas de instabilidade econômica costumam complicar a vida de quem está na Casa Branca.

"Nós vamos superar", disse Obama, em seu discurso. Ao lembrar que ter um negro na Presidência não é o bastante, Barack Obama ressaltou a continuidade do ativismo político de Martin Luther King, que se manteve vivo mesmo após a aprovação das leis nacionais que garantiram os direitos dos negros nos Estados Unidos: o Ato de Direitos Civis, de 1964, e o Ato de Direitos de Voto, de 1965. Em sua fala, o presidente utilizou um recurso típico das pregações nas igrejas do Sul – Martin Luther King nasceu em Atlanta –, a repetição da forma "Let us", abreviado para "Let's" ou "vamos", em português.

"King disse: vamos pegar essas vitórias e seguir em frente com a nossa missão, conquistar não somente a igualdade política e social, mas também a justiça econômica. Vamos lutar por salários dignos, escolas melhores e emprego para aqueles que querem trabalhar. Martin Luther King se recusava a aceitar o "é" do presente. Lutava sempre pelo "deve ser" do amanhã".

"As dificuldades que estamos passando não são nada perto daquelas enfrentadas por Martin Luther King e seus companheiros de marcha 50 anos atrás. Se mantivermos nossa fé, em nós mesmos e nas possibilidades desta nação, não há desafio que não possamos superar", completou o presidente.

O desafio das eleições de 2012 não vai ser nada fácil. Os problemas econômicos dos Estados Unidos não têm solução de curso prazo porque estão ligados a um modelo antigo e há muito tempo questionado calcado no aumento constante da dívida pública do país. Pode-se amenizar aqui e ali mas não resolver de uma hora para outra porque se trata de uma questão estrutural, do modelo adotado pós-1971. Nesse contexto, o alto desemprego pode pesar muito contra a administração atual. Por outro lado, a dificuldade dos republicanos de encontrar um candidato minimamente legítimo entre as múltiplas facções do conservadorismo americano trabalha a favor dos democratas.

Para além das eleições, a simbologia política em torno de Martin Luther King é, neste momento, mais que bem-vinda ao coração da cultura política americana. Ideais de justiça cristã calcados no espírito da não-violência podem não ser um sucesso eleitoral hoje nos Estados Unidos, mas são uma semente de humildade propícia ao universo de uma potência gigante em dificuldades. Talvez a única opção.


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Veja no canal:

- O discurso de Obama
- O discurso de Martin Luther King, "Eu tenho um sonho"

Veja também vídeo da BBC sobre o Memorial Martin Luther King.

Leia Um apelo à consciência: Os melhores discursos de Martin Luther King, da editora Zahar.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Podcast de segunda (para começar a semana)

A segunda chuvosa e com horário de verão começa com "Zoeira", cantada por Áurea Martins no disco Despontando a cabeça, bastante festejado no ano passado.

A segunda é uma pérola para um amigo. A interpretação de Peter Gabriel para "Street Spirit", do Radiohead, é arrebatadora. Está no último disco de Peter Gabriel, de covers, ou melhor, interpretações: Scratch my back

Em seguida, uma do álbum solo de Herbert Vianna Santori Blues, de uma época mais calma para o compositor. Chama-se "Tweety".

Depois, o patagônico Lisandro Aristimuno. "Plug Del Sur" está no álbum Ese Asunto De La Ventana.

Em seguida, o violonista brasileiro André Geraissati. A música "Ventos" está no álbum Next, de 1989.

Para terminar (ou começar), uma "Vertigem de uma festa interestelar", de Bonifrate, direto de Santa Teresa via internet, onde disponibiliza todo o seu cultuado trabalho.

O programa tem em torno de 28 minutos e pesa 36,8 megabytes.
A dica para baixar o arquivo é utilizar o 'control+mouse' no Mac ou o botão direito do mouse no PC e pedir a transferência. Depois é só jogar no iTunes.

Baixe e ouça o arquivo aqui.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O pré-candidato republicano e a perigosa insistência no erro

Principal pré-candidato republicano às presidenciais norte-americanas de 2012, o ex-governador do estado de Massachussets Mitt Romney apresentou suas idéias sobre como deve ser a política externa dos Estados Unidos caso seja eleito: muito perigosa e completamente equivocada.

Em seu primeiro grande discurso sobre o tema, proferido no último dia 7 de outubro, para uma platéia de cadetes, em Charleston, na Carolina do Sul, Romney ressaltou a necessidade dos Estados Unidos reforçarem sua posição militar e econômica no mundo, no intuito do país liderar o que chamou de "O século americano". Em uma pesquisa IPSOS/Reuters divulgada no dia 13, Mitt Romney aparece em primeiro lugar entre os pré-candidatos republicanos com 23% da preferência do partido, na frente do surpreendente Herman Cain, que tinha 7% quatro meses atrás e agora surge com 19%. (Do lado democrata, o presidente Barack Obama tem hoje seu trabalho desaprovado por 53% dos entrevistados pelo Gallup.)

"Este é o momento da América. Nós devemos enfrentar este desafio e não evitá-lo. Não devemos nos fechar numa concha isolacionista, acenar uma bandeira branca da rendição ou nos contentar com aqueles que dizem que o nosso tempo se foi", afirmou Romney, procurando se diferenciar no tema tanto de Barack Obama como de outros pré-candidatos republicanos mais próximos do isolamento. "Se você não quer a América como a nação mais forte do planeta, então não sou seu presidente", disse o candidato.

Romney também listou algumas ações específicas de política externa que levaria à frente nos 100 primeiros dias do seu governo: reforçar o poder naval dos Estados Unidos com o investimento na construção de embarcações militares; incrementar as relações de Washington com países aliados como Israel, Grã-Bretanha e México; ampliar os mecanismos de contenção contra o programa nuclear iraniano; rever o programa militar do escudo anti-mísseis, o "Guerra nas Estrelas", bem como a estratégia norte-americana no Afeganistão; e iniciar uma campanha de incentivo às relações econômicas do país com a América Latina.

"Em um século americano, a América possui a economia mais forte do mundo e o poder militar mais forte do mundo", afirmou Mitt Romney. "Em um século americano, a América liderará o mundo livre e o mundo livre liderará o planeta".

Mesmo se tratando de retórica de campanha, o discurso apresenta um retrocesso claro e perigoso em relação ao posicionamento mais realista e cauteloso da administração Barack Obama. Nessas horas, é difícil não lembrar de Paul Kennedy e sua obra clássica: "Ascensão e queda das grandes potências".

Afinal, os Estados Unidos se encontram hoje em meio a uma crise econômica grave e de difícil solução tendo em mãos um arsenal militar de proporções gigantescas. Esse paradoxo aliado a uma retórica nacionalista agressiva como a de Mitt Romney pode gerar a tentação do uso da força - se já não foi assim com George W. Bush - como forma de se manter a posição relativa do país ou sua influência no sistema político internacional. O grande perigo disso tudo é que tal situação não será somente catastrófica para os norte-americanos, e levará de vez a nação à decadência, mas para todos nós.

sábado, 8 de outubro de 2011

A arte e o tempo com Aderbal Freire-Filho

"Um  espetáculo de teatro é uma fogueira, tem vida breve. É madeira, o fogo queima, é chama, depois vira cinzas, vem o vento e leva as cinzas. Fica uma lembrança, às vezes uns registros filmados, uma doce ilusão de sobrevivência de uma porção/poção de teatro. Não é mais teatro, teatro é o que está, a questão é ser e estar, to be e to be. Daqui a três semanas, uma pergunta: Depois do Filme? E a resposta: não é um livro, um quadro, um disco, um filme, era madeira, ardeu, depois virou cinzas, veio o vento... É nada.

Mas por três, seis, nove noites mais, até 23 de outubro, está lá, a fogueira acesa.


Aderbal
(ainda queimo nessas últimas chamas)".


Depois do filme?
Sextas e sábados, 21h
Domingo, 19h
Teatro Poerinha
São João Batista, 108
Botafogo
Rio de Janeiro


Veja o trailer da peça em:
http://www.teatropoeira.com.br

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Dalrymple: "Nunca foi economicamente viável ocupar o Afeganistão"

Em entrevista ao fórum de debates internacional Intelligence Squared, o escritor e historiador escocês William Dalrymple explica porque a ocupação estrangeira sempre foi muito mal-sucedida no Afeganistão. Dalrymple conversou com Tony Curzon Price, editor-chefe do site openDemocracy, sobre o tema do seu novo livro: a primeira guerra anglo-afegã, disputada entre 1839 e 1842 e considerada pelo autor "a maior derrota da história do Império Britânico".

O novo trabalho do historiador sai em maio na Europa e nos Estados Unidos. Autor de oito livros – entre eles o sensacional The Last Mughal, que conta a história do último imperador mogol da Índia, Xá Zafar II, líder, na segunda metade do século XIX, de um dos maiores renascimentos culturais da história indiana –, Dalrymple nunca foi publicado no Brasil.

Cercado historicamente por grandes forças hegemônicas – os persas à direita, à Índia ao Sul, os chineses à esquerda e os russos ao Norte –, não é à toa que o Afeganistão, segundo Dalrymple, sempre foi palco de grandes disputas estrangeiras. Até por causa disso, diz o autor na entrevista, uma tradição forte de resistência e de que "every men is a ruler" se consolidou na cultura afegã. Dessa forma, não surpreende, inclusive, a dificuldade histórica dos afegãos de constituirem uma unidade até mesmo entre eles. "É muito difícil estabelecer uma autoridade na região", afirma Dalrymple. Os problemas do presidente Hamid Karzai não são de hoje.

Além disso, prejudica a unidade e a conquista um terreno árido, recortado por montanhas por todos os lados, perfeito para atividades de guerrilha, mas, principalmente, segundo Dalrymple, a total inviabilidade econômica do poder. "Não é como no caso do Iraque, por exemplo, onde um conquistador pode financiar os custos da ocupação com o petróleo", diz o autor. Ou seja, custos muito altos para o estabelecimento do poder, com benefícios econômicos reduzidos.

A lista de derrotados é vasta e imponente e inclui o antigo e poderoso Império Britânico, a União Soviética e provavelmente os Estados Unidos e a sua Otan, passando por Alexandre, o Grande. "Vamos deixar o Afeganistão em dois ou três anos sem termos conseguido nada", afirma Dalrymple sobre a presença norte-americana e britânica na região. "Gastamos milhões e o único ganho que temos é a educação das mulheres", completa, referindo-se à discriminação tradicional de regimes islâmicos e praticada pelo antigo governo Talibã.

Sobre o que poderia ter sido feito de diferente após o 11 de Setembro, Dalrymple não hesita em dizer que os governos do Ocidente exageraram a proximidade entre a Al Qaeda e Osama Bin Laden com os talibãs e que, apesar dos abusos do antigo regime afegão, teria sido melhor e possível negociar com aqueles que, de alguma forma, garantiam um relativa e difícil estabilidade no país antes da invasão ocidental.

O resultado é uma situação de impasse e instabilidade crônica produzida por uma ocupação absurdamente custosa e que nada trouxe de benefício ao país. "Não fizemos estradas, escolas. Não construímos redes de esgoto. Não levamos nada de positivo para o Afeganistão nesses dez anos", diz Dalrymple. Como se não bastasse, o autor chama a atenção, a ocupação criou um cenário perigoso de instabilidade no Paquistão, já comentado neste Blog. "Nesses últimos dez anos, a estabilidade no Paquistão foi totalmente erodida", completa.

Ao que tudo indica, a possibilidade é grande que os historiadores do futuro vejam o 11 de Setembro como marco histórico do fim da hegemonia norte-americana no mundo.



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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A vergonha "sem teto" do funcionalismo público

Desde o início da semana, a Folha chama a atenção para a iniciativa do governo que promete até o fim do ano regulamentar, com um projeto de lei, o teto salarial dos servidores públicos federais. O limite atual que, teoricamente, é de R$ 26,7 mil ao mês, remuneração concedida aos ministros do Supremo Tribunal Federal, é excedido em muitos casos – como o do presidente do Senado José Sarney, cujo salário chega a R$ 60 mil, segundo a Folha, com base numa estimativa do Ministério Público Federal.

E o presidente não é exceção no Senado, o site Congresso em Foco divulgou recentemente uma lista bastante ampla de funcionários da Casa que, em 2009, ganhavam acima do teto, alguns deles lotados na gráfica da instituição.

"Embora a Constituição fixe como limite máximo a remuneração concedida a ministros do Supremo (...), anos e anos de astúcias regimentais e camaradagens judiciárias permitiram que se formasse uma elite de funcionários – sardonicamente apelidada de "sem-teto" – que recebem rendimentos de até R$ 60 mil", afirma a Folha, em editorial publicado hoje (03/10).

O problema esbarra numa distorção vergonhosa do Estado brasileiro, onde os salários do funcionalismo público são em média maiores que aqueles praticados no mercado. Um "Comunicado da Presidência", por exemplo, produzido pelo Ipea em dezembro de 2010, concluiu: dados de 2008 revelam uma diferença de 56% em média a favor dos vencimentos no setor público (incluindo as instâncias estaduais e municipais), esta diferença era de 33% em 1998! Ao se tomar a discrepância de salários entre o setor público e o privado no Brasil, para cada grau de instrução, percebe-se que os primeiros são maiores em todos os níveis, 27% maiores para empregados com ensino médio completo, 8% para aqueles com ensino fundamental completo e 7% no caso de funcionários com ensino superior.

Ora, o serviço público, como o político, que teoricamente trabalha pelo bem comum, e não particular, não pode ser melhor remunerado que o mercado, cujo objetivo principal é o lucro, a acumulação. Pode haver alguns benefícios como a estabilidade, um sistema diferenciado de aposentadoria – talvez não tão diferenciado quanto o existente, mas vá lá –, um trabalho com pressões diferentes daquelas do mercado competitivo, mas nunca salários maiores, que esvaziam o sentido voluntarista do serviço público e reduzem o incentivo empreendedor da sociedade.

Como diz a Folha, a tese de que salários menores afastaria os melhores profissionais das carreiras governamentais não se sustenta. "Servidores concursados até podem ganhar um pouco menos do que receberiam em empresas privadas, mas auferem uma série de benefícios, como a estabilidade e o privilégio de aposentar-se mantendo os vencimentos da ativa, que diminuem, quando não compensam, a diferença", afirma o jornal. "Muitos funcionários que estão apenas de passagem pelo governo, por seu turno, investem em suas carreiras. Dispõem-se a passar algum tempo com salários comparativamente reduzidos, mas, quando voltam para a iniciativa privada, costumam ter seus rendimentos bastante elevados".

Pode-se acrescentar ainda a questão da opção profissional de cada um, com base nos seus próprios anseios. Nem todos, ao menos entre aqueles que podem optar, estão dispostos a dedicar uma vida inteira de trabalho ao lucro empresarial ou à acumulação no mercado, e o serviço público pode ser uma opção para essas pessoas como muitas vezes é a arte, a pesquisa, o trabalho social, cujos rendimentos são mais incertos do que aqueles no mercado.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O grande derrotado da Guerra ao Terror e a instabilidade sistêmica

Em artigo publicado no site da rede BBC, o jornalista paquistanês Ahmed Rashid afirma: o resultado de 10 anos de aliança do governo do Paquistão e os Estados Unidos na Guerra ao Terror é uma crise sem precedentes no país.

Rashid chama a atenção, em especial, para três pontos: o fortalecimento do setor militar em detrimento do controle civil e político, a intensificação dos conflitos internos e os graves problemas econômicos. Segundo o jornalista, os paquistaneses estão esperando o pior: isolamento internacional, anarquia interna, guerra civil ou  golpe de algum grupo islâmico radical. Some tudo isso à capacidade nuclear reconhecida das Forças Armadas do Paquistão e é possível ter uma idéia do problema.

No que diz respeito à economia, Rashid conta que a violência e a alta inflação hoje no país atrapalham os investimentos, gerando inclusive fuga de capitais da classe alta paquistanesa. "Mesmo que o Paquistão tenha recebido US$ 20.5 bilhões de ajuda norte-americana desde 2001, cerca de 70% desse montante foi parar nas mãos dos militares", escreveu o jornalista. "Gastos com educação e saúde despencaram dramaticamente. Desde que chegou ao poder em 2008, o Partido do Povo Paquistanês não tem conseguido oferecer práticas positivas de governância e vem sofrendo com escândalos de corrupção", completou.

Sobre os militares, Rashid afirma que eles controlam a política externa paquistanesa com relação à Índia, aos Estados Unidos e ao Afeganistão, consomem 30% do orçamento federal e possuem várias agências de inteligência que atuam sem qualquer controle do governo, do Parlamento ou das cortes paquistanesas. Há suspeitas, inclusive, de que muitos agentes atuam sem controle até mesmo da cúpula militar paquistanesa. Neste momento, por exemplo, os Estados Unidos afirmam que setores da poderosa ISI (Inter-Services Intelligence), a principal agência militar de inteligência do Paquistão, estão dando apoio ao extremista afegão Jalaluddin Haqqani, que ataca forças norte-americanas no Afeganistão.

Ao mesmo tempo, os conflitos étnicos e separatistas também se fortaleceram nos últimos dez anos. Como afirma Rashid, "o uso do islamismo radical pelos militares e políticos na condução de objetivos e agendas de política externa em relação à Índia e no Afeganistão se voltou contra o próprio Estado, gerando um movimento radical interno, o Talibã paquistanês, que hoje ataca brutalmente civis e militares pelo país".

O jornalista é categórico: "Não há dúvidas de que o Paquistão tem sofrido imensamente por ter se tornado parceiro da guerra dos Estados Unidos no Afeganistão". E completa: "Change can only start coming about when the war in Afghanistan ends".

Com tantos problemas, cujas soluções parecem impossíveis de serem deslumbradas, não é à toa que se percebe hoje no ambiente internacional uma mudança clara de posicionamento relativo e estrutural. Mas antes que alguém comemore, vale lembrar que transformações desse tipo costumam causar períodos longos de instabilidade e grandes, para não dizer trágicas, conseqüências.