quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A Doutrina Obama

Idealista pragmático ou pragmático progressista. A política externa americana nos quatro anos do governo democrata.

Ao fim dos quatro anos de Barack Obama na Casa Branca e em meio a sua tentativa de reeleição contra o candidato republicano Mitt Romney, alguns analistas nos Estados Unidos publicaram recentemente suas avaliações sobre a política externa do presidente democrata. Joseph Nye, por exemplo, professor de Harvard, membro do Conselho americano de Inteligência Nacional, tratou do tema no último mês de agosto, em um artigo para o Project Syndicate. Da mesma forma, Martin Indyk, Kenneth Lieberthal e Michael O´Hanlon, do Instituto Brookings, produziram um relatório sobre o assunto, resumido em um artigo para a revista Foreign Affairs e um texto publicado no site do próprio Brookings.

A conclusão mais geral das análises é que a política externa de Barack Obama, ao menos até aqui, pode ser caracterizada por um tipo de "idealismo pragmático" ou "pragmatismo progressista". Indyk, Lieberthal e O´Hanlon chegam mesmo a afirmar que "Obama é um pragmático, um pragmático progressista, certamente, desde que pensou ser possível a busca por ideais maiores, mas um pragmático como outro qualquer, a hawkish one in many ways".

Isso estaria muito claro, por exemplo, segundo os autores, na forma como o governo Obama se relacionou com os chamados "Estados párias". A administração democrata, sugerem os especialistas, foi cautelosa para não se imiscuir com "atores problemáticos de segunda classe", como Hugo Chávez, na Venezuela, Fidel Castro, em Cuba, ou Robert Mugabe, no Zimbabwe, e "foi audaz em permitir que os europeus, sob a chancela da Liga Árabe e das Nações Unidas, carregassem boa parte do fardo na questão líbia".

Ao mesmo tempo, a análise da performance de Barack Obama no campo da política externa é relacionada aos grandes objetivos traçados pelo próprio presidente durante a campanha e no início do seu governo. "A retórica de Barack Obama na campanha de 2008 e nos seus primeiros meses na Presidência foi tão inspiradora em estilo quanto transformadora em seus objetivos", lembra Joseph Nye. Seu primeiro ano de governo inclui o discurso em Praga, onde lançou a meta de um mundo livre das armas nucleares, e no Cairo, onde prometeu uma nova abordagem para o mundo muçulmano. Além disso, na ocasião do Prêmio Nobel da Paz, Obama jurou não medir esforços para colocar "a história no rumo da justiça".

Entre o pragmatismo e o idealismo, o conservadorismo e o progressivismo, o debate sobre a Doutrina Obama se inicia transparecendo a limitação conceitual da discussão, ao menos aquela mais pública, sobre política externa, nos Estados Unidos. Afinal, há muito mais entre o hobbesianismo defensivo e o rousseaunianismo redentor que supõe a vã filosofia.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O eleitor ausente

Queda do comparecimento eleitoral nos regimes democráticos é mais uma expressão do descolamento entre a sociedade e o sistema político.

É mais ou menos generalizada a tendência de queda do comparecimento eleitoral nos regimes democráticos contemporâneos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o comparecimento às eleições presidenciais oscilou entre 58% e 63% da população apta a votar entre 1952 e 1968, quando se inicia, a partir daí, uma curva descendente até o mínimo de 47% em 1996. Até 1986, na Holanda, o comparecimento eleitoral raramente esteve abaixo dos 80%, novamente entre os aptos a votar. Em 1998, ficou próximo dos 70%.

No caso brasileiro e sul-americano, em geral, o tema deve ser relativizado para o contexto do voto obrigatório. Afinal, quando se discute “ausência de eleitores”, deve-se distinguir se o sistema é de voto obrigatório ou facultativo. Nesse sentido, alguns estudos sugerem que países com voto facultativo têm índices maiores de abstenção, outros chegam a afirmar que o voto obrigatório aumenta o comparecimento numa proporção que vai de 25 a 50 pontos percentuais, a depender da análise. Sobre esse ponto, por exemplo, um caso citado com recorrência é o da Venezuela, que modificou sua legislação eleitoral em 1993, eliminando as penalidades previstas para os faltosos. Após a mudança na lei, a média de 90% de comparecimento caiu para níveis próximos a 60%.

Na Argentina, onde, como no Brasil, o voto é obrigatório, as taxas de comparecimento foram altas em boa parte do século XX, atingindo o índice recorde de mais de 90% em 1958. No entanto, nos anos 1980, após a redemocratização, percebe-se claramente uma tendência de queda: 85,6%, em 1983, na eleição de Raúl Alfonsín; 85,6%, em 1989, na primeira eleição de Carlos Menem; 81,2%, em 1995, na reeleição de Menem e 80,4%, em 1999, na vitória de Fernando De la Rúa.

No caso do Brasil, a questão da “ausência eleitoral” ainda apresenta algumas nuances. Afinal, enquanto a maior parte da população acima de 18 anos deve se alistar obrigatoriamente, aqueles entre 16 e 18 anos e os analfabetos (ou 20% da população, segundo o Censo 2000) têm direito facultativo não somente ao voto quanto ao próprio alistamento eleitoral. No caso específico dos jovens entre 16 e 18 anos, por exemplo, a faixa etária compôs 4% do eleitorado em 1989, quando pôde participar pela primeira vez de uma eleição, e apenas 1,78% em 1998. Em 2008, após uma intensa campanha da Justiça Eleitoral, voltada especialmente para o alistamento eleitoral deste público, os jovens entre 16 e 18 anos passaram então a somar 2,51% do eleitorado nacional. Além desses complicadores, há também o caso dos maiores de 70 anos que, apesar de aptos, exercem a prerrogativa do comparecimento facultativo.

Nesse sentido, alguns autores se utilizam do conceito de “alheamento decisório eleitoral”. O termo engloba todas as formas que o cidadão possui de recusa, seja por meio da abstenção, do não-alistamento eleitoral, quando permitido, e mesmo do voto nulo e branco. Com isso, percebe-se que nas eleições gerais de 1998, por exemplo, apenas 78,5% dos eleitores registrados compareceram. Dos votos contados para presidente, 8% foram em branco e 10% foram anulados e cerca de 10% da população apta a se alistar assim não o fez. No final das contas, por esta perspectiva, quase 50% dos brasileiros e brasileiras em idade de votar desprezaram o direito de escolher o presidente da República em 1998.

No Brasil, ao menos, o ideal é distinguir entre dois tipos de abstenção, a “técnica” e a “real”. Enquanto a primeira tem a intenção de verificar quantos não comparecem às urnas, dentre aqueles que estavam aptos a votar, a segunda verifica a ausência em relação ao conjunto total de possíveis votantes – o “eleitorado potencial”. Dessa forma, fica claro que o índice técnico tende a ser sempre menor, dado que indivíduos alistáveis que não se registraram colaboram para a sua subavaliação.

De qualquer modo, é possível identificar uma queda expressiva da participação popular, mesmo medida pelo índice técnico, nas eleições presidenciais brasileiras: 85,6%, no segundo turno em 1989; 82,3%, em 1994; e apenas 78,5% em 1998. Nos pleitos seguintes, os números praticamente se repetem. No segundo turno das eleições de 2002 para presidente, por exemplo, houve uma abstenção técnica de mais de 20%, quase 2% de votos em branco e aproximadamente 4% de votos anulados. Nas presidenciais de 2006, a abstenção técnica foi novamente em torno dos 20%, com quase 5% de votos anulados. Em 2010, no segundo turno, o Tribunal Superior Eleitoral registrou uma abstenção técnica em torno de 21% (comparecimento de 78,5% dos registrados), com 2,3% de votos em branco e 4,4% de votos anulados.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Dalrymple é finalmente publicado no Brasil

Premiado autor escocês, especialista na história do subcontinente indiano, chega ao país pela Companhia das Letras.

Sete livros e 23 anos depois do sucesso de sua primeira obra, In Xanadu, de 1989, o escritor escocês William Dalrymple chega finalmente ao Brasil. Publicado em maio deste ano pela Companhia das Letras, sua mais recente obra, Nove vidas, conta a história de nove personalidades indianas e nove diferentes trajetórias religiosas, "nos lugares suspensos entre a modernidade e a tradição".

Gente como Srikanda Stpathy, um "fazedor de ídolos", o 35º de uma linhagem de escultores sagrados, cujo filho só quer saber de estudar computação em Bangalore. Pessoas como Hari Das, construtor de poços e carcereiro que, todo ano, entre janeiro e março, se transforma em uma deidade onipotente adorada. Histórias como a de Tashi Passang, um monge budista no Tibete que, após a invasão chinesa de 1959, decidiu resistir. "Depois que você foi monge, fica muito difícil matar um homem", diz ele no livro. "Mas, às vezes, pode ser sua obrigação fazê-lo".

Dalrymple conta que há duas décadas, quando seu primeiro livro foi lançado, obras desse tipo costumavam evidenciar as experiências do narrador. Em Nove vidas, diz o autor na introdução, "procurei fazer uma inversão e manter o narrador firmemente nas sombras, trazendo assim as vidas das pessoas que encontrei para o primeiro plano, posicionando suas histórias no centro do palco".

O que significa ser um homem santo ou uma monja janista, um místico ou um tântrico em busca de salvação nas estradas da Índia moderna? Por que alguém abraça a resistência armada como um chamado sagrado? Como alguém pode pensar que cria deuses ou que um deus possa habitá-lo? Como cada caminho religioso sobrevive às mudanças pelas quais a Índia está passando? O que se transforma? O que permanece?

Dalrymple reproduz em Nove vidas a ênfase narrativa que marca sua obra. Em The Last Mughal, publicado em 2006 e ainda sem uma edição brasileira, o autor conta a história do último imperador da Dinastia Mogol no subcontinente. Poeta, místico e calígrafo, Bahadur Shah Zafar II foi responsável por um grande renascimento cultural na Índia em meados do século XIX, mas também pela maior sublevação enfrentada pelo Império Britânico em toda sua história.  Nesse contexto, a grande preciosidade do livro é um relato com base em fontes de primeira mão da batalha que se desenrolou em Nova Déli, em 1857.

Neste mesmo Blog, foi publicada, em outubro de 2011, uma entrevista na qual Dalrymple analisa a inviabilidade da ocupação estrangeira no Afeganistão. "Vamos deixar o Afeganistão em dois ou três anos sem termos conseguido nada", afirmou, na ocasião, sobre a ocupação britânica e norte-americana do país, que durante muito tempo foi apenas o Norte do subcontinente indiano.

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