sexta-feira, 23 de julho de 2010

13 milhões deixaram a miséria desde 1995

Relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado no último dia 16, afirma que 12,8 milhões de brasileiros deixaram a situação de pobreza entre 1995 e 2008 e 13,1 milhões saíram da miséria no mesmo período.

O avanço é considerável. Em 1995, 43,4% dos brasileiros eram considerados pobres pelo Ipea, ou seja, com rendimento menor que meio salário mínimo, cujo valor atual é de R$ 510,00. Em 2008, o índice era de 28,8%. Ao mesmo tempo, 20,9% da população vivia na miséria em 1995, ou seja, com rendimento menor que 1/4 de salário mínimo. Em 2008, a taxa era de 10,5%.

Além disso, o coeficiente de Gini, que mede a desigualdade de renda, também melhorou, caindo de 0,64 para 0,54 no mesmo período – quanto mais perto de 1, mais concentrada é a renda de um país. Nesse caso, no entanto, apesar da melhora, o Brasil ainda permanece entre as sociedades mais desiguais do planeta.

De qualquer forma, vale ressaltar o ritmo de redução de pobres e miseráveis no país entre 1995 e 2008. A pobreza caiu no período em uma velocidade média de 2,3% ao ano, e a miséria, 3,2% ao ano. O Ipea acredita que, mantendo-se o ritmo, a miséria estará erradicada no Brasil até 2016, e a pobreza afligirá somente 4% da população ao fim dos próximo seis anos.

Um ponto interessante do relatório é que o período estudado compreende os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso e seis anos do governo Lula e demonstra uma continuidade que, não há dúvidas, parece benéfica ao país. De fato, FHC e Lula marcam o início do período de estabilidade institucional no Brasil no novo regime democrático brasileiro, pós-ditadura militar.

Afinal, Tancredo Neves e José Sarney foram eleitos indiretamente. Collor venceu a primeira eleição direta do período, em 1989, mas sofreu impeachment depois de dois anos no governo, acusado de corrupção. Seu vice, Itamar, governou o restante do mandato e, apesar de ter tido um papel importante, não poderia ir além do caráter transitório. Com isso, FHC e Lula se tornam os dois verdadeiros governos democráticos pós-regime militar no Brasil. Nesse sentido, a relação entre democracia e redução da pobreza, no mínimo, não deve ser desprezada.

Além disso, o período histórico estudado tem início em janeiro de 1995, não só o primeiro ano do governo FHC mas naquele momento havia menos de um ano do início do Plano Real. Nunca é demais lembrar que o programa de estabilização aniquilou, segundo o professor Gustavo Franco, uma inflação de 20.759.903.275.651% de 1980 a 1995.

Soma-se à estabilização o programa de transferência de renda do governo Lula – o famoso Bolsa Família – e o resultado pode ser visto nos números apresentados pelo Ipea. Nos primeiros seis meses de 2010, o governo Lula transferiu R$ 7 milhões para mais de 50 milhões de pessoas, um crescimento – que em ano eleitoral gera desconfiança – de 20% em relação ao mesmo período em 2009. Atualmente, um em cada quatro brasileiros recebe o benefício.

No entanto, se os resultados em geral são positivos, alguns pontos negativos devem ser ressaltados. Em primeiro lugar, percebe-se pelos números apresentados pelo Ipea que as regiões mais educadas reduzem a pobreza mais rapidamente que as regiões menos educadas. O Sul e o Sudeste do Brasil tiveram índices de redução de pobreza bem melhores que os das outras regiões. A pobreza no Sul, por exemplo, foi reduzida em 47,1%, e a miséria, 59,6%. No Sudeste, as reduções foram de 34,8% e 41% respectivamente. No Nordeste, no Norte e no Centro-Oeste, a pobreza caiu 28,8%, 14,9% e 12,7%, respectivamente. Nas mesmas regiões, a miséria foi reduzida em 40,4%, 22,8% e 33,7%, respectivamente. De fato, o Nordeste somente apresentou índices semelhantes ao do Sul e do Sudeste na redução da miséria por causa da forte presença do Bolsa Família nessa região.

Outro ponto importante ressaltado pelo Ipea é o alto crescimento econômico apresentado pelo Centro-Oeste entre 1995 e 2008, sem uma redução da pobreza na mesma proporção. O PIB per capita da região cresceu 5,3% ao ano no período, o maior índice do país em termos regionais. No entanto, o mesmo Centro-Oeste apresentou um índice de redução de pobreza de 2,3% ao ano, melhor apenas que o do Norte (1,6% ao ano). A região também teve o pior desempenho nacional na redução da miséria, com taxa de 0,9% ao ano entre 1995 e 2008.

Duas conclusões estão sendo apontadas a partir da dinâmica apresentada no Centro-Oeste. A primeira reforça a ideia de que o crescimento econômico por si só não é instrumento suficiente para redução da pobreza e da miséria no país. A segunda, ressalta o peso extremo que o funcionalismo público vem exercendo na economia.

Uma pesquisa divulgada no ano passado, por exemplo, mostra que o salário do funcionalismo público subiu, em termos reais, em uma velocidade oito vezes maior que no mercado, entre 2002 e 2008. Enquanto no período a elevação média real (acima da inflação) dos salários do mercado foi de 8,7%, no Executivo foi de 74,2%, no Legislativo, 28,5%, e, no Judiciário, 79,3%.

Segundo a mesma pesquisa, o salário médio no Executivo, em fevereiro de 2009, era de R$ 6.691,00, incluindo todo tipo de função. No mesmo momento, o salário médio do mercado era de R$ 1.154,00.

Não à toa, a última pesquisa da Folha, publicada no sábado, mostra a candidata do governo às eleições deste ano, Dilma Russeff, em vantagem de 12pp no Nordeste e 9pp no DF.

Um artigo em inglês sobre o tema, também de minha autoria, foi publicado no site openDemocracy.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Gastar ou cortar: o dilema

A economia internacional vive hoje um momento-dilema. Em meio à sucessão de crises que teve início no mercado imobiliário americano, em 2007, e que agora preocupa em especial os governos da Europa, com a situação da Grécia e de outros países do continente, a pergunta que não quer calar é: como sair dessa?

Afinal, apesar dos 800 bilhões de dólares injetados na economia americana desde o início do crash, o problema está longe de ser resolvido. O mercado dos Estados Unidos hoje contrata pouco e consume menos ainda, mesmo com taxas de juros perto de zero. Ao mesmo tempo, o exemplo da Europa alerta para a possibilidade de crises financeiras, geradas pelo descuido dos governos com suas contas. Nesse contexto, o que deve ser feito? Expansão ou reforma fiscal?

No último encontro do G-20, realizado no fim de junho, no Canadá, o discurso geral foi pela reforma. Não houve um consenso claro. Os Estados Unidos, por exemplo, se mostraram mais avessos aos ajustes que os europeus. De qualquer forma, mesmo o presidente Barack Obama chamou a atenção para a importância de uma administração mais cuidadosa da dívida pública.

Para debater o assunto, Farred Zakaria, em seu programa na CNN, entrevistou dois nomes pesos pesados, com visões opostas sobre o assunto: Paul Krugman e Niall Ferguson. O primeiro é prêmio Nobel de Economia. O segundo, professor de história econômica em Harvard e best-seller mundial.

Para Krugman, o governo americano, pelo menos, deve gastar mais, muito mais e rápido. Caso contrário, os Estados Unidos arriscam mergulhar no que ele chama de "terceira depressão", depois de 1929 e 1973. Segundo Krugman, não há outra opção para reaquecer a economia americana, dado que as taxas de juros já estão muito baixas e há algum tempo. Ao mesmo tempo, de acordo com Krugman, um gasto de mais 1 trilhão de dólares, por exemplo, faria uma enorme diferença no mercado sem modificar muito o estado atual da dívida pública americana.

Por outro lado, Ferguson defende que a situação fiscal americana está hoje tão segura quanto Pearl Harbor, em 1941. Ou seja, até o momento em que é atacada. Para ele, depois da Grécia, crises fiscais atingirão os governos de Grã-Bretanha, Espanha e Japão. Paul Ferguson prega uma reforma fiscal "radical", que inclua novas formas de taxação e gastos mínimos, como sugerido também pelo deputado republicano do Wisconsin Paul Ryan. Segundo o professor da Universidade Harvard, os problemas nas finanças internas são o primeiro sinal da decadência de um império.

Sobre o Brasil, o último ranking do FMI coloca o país entre os três maiores devedores do mundo entre os emergentes, apenas atrás de Índia e Hungria, com riscos para o equilíbrio fiscal. A dívida pública brasileira equivale hoje a 67% do PIB. O tamanho da dívida e o nível de taxação sobre o mercado brasileiro, quase 40% do PIB, no mínimo não condizem com a péssima qualidade dos serviços públicos brasileiros, que ainda persiste, bem como com a ignóbil concentração de renda no país, ainda entre as piores do mundo.

Veja o debate entre Krugman e Ferguson na CNN.