quarta-feira, 28 de abril de 2010

Fred Halliday 1946 – 2010













Fred Halliday morreu em Barcelona, em 26 de abril, vítima de câncer. Leia texto do fundador do site openDemocracy, Anthony Barnett, sobre o grande scholar irlandês, colunista da casa, e deixe sua homenagem a uma das principais vozes da política mundial contemporânea. Leia também o tributo do editor do site, David Hayes. Na Cultura, algumas obras de Halliday.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O Estado, o Rio de Janeiro e as chuvas

Dois problemas da política nacional que se agravam no Rio de Janeiro estão por trás da tragédia desta semana no estado: as prioridades anacrônicas da agenda política brasileira e a concentração no processo de constituição da linguagem política no Brasil.

A questão da agenda é simples: a pauta é muito tomada pelas grandes questões econômicas. Talvez por conta de uma tradição de instabilidade teoricamente já superada, somada a uma outra nacionalista, que rege as grandes questões da nação, a política brasileira parece muitas vezes presa a determinados temas: taxa de juros, inflação, desenvolvimento, a indústria brasileira, a balança comercial. Além disso, são os problemas da corrupção (desvio econômico) e as tramas internas às alianças e aos conflitos políticos.

Questões básicas como educação, saúde, segurança, acesso à justiça, habitação, saneamento, cidadania são pautas para os cadernos especiais da mídia política brasileira, ou surgem em meio às tragédias.

As contas do governo federal brasileiro, tanto no período de FHC quanto de Lula, são bastante representativas desse modelo. Entre 1995 e 2004, segundo um estudo feito no Congresso, quatro grandes contas englobaram os gastos de Brasília: juros da dívida pública, aposentadorias, salário da burocracia e custo da máquina pública (todos os gastos com exceção dos vencimentos). Os juros absorveram 727 bilhões de reais. Os salários, 1,07 trilhão de reais. A aposentadoria, 1,2 trilhão. O custo da máquina, que não funciona, 2,78 trilhões.

A soma chega a 5,78 trilhões, seis vezes mais que os 884 bilhões investidos em educação, saúde, segurança ou qualquer outro investimento desse tipo no mesmo período. Entre 1995 e 2004, o orçamento federal dedicou 0.49% para a segurança, 5.85% para a saúde, 6.67% para a educação.

E a tendência se mantém. Um estudo encomendado pela Folha e publicado em abril de 2009 mostrou que entre abril de 2006 e fevereiro de 2009, os gastos federais com os salários da burocracia cresceram 40 bilhões de reais e o custo da máquina, 26,7 bilhões de reais. No mesmo período, investimentos federais reunidos em educação, saúde, segurança etc. aumentaram em 14,7 bilhões. Na atual política, para alguns política midiatizada, estar fora da pauta significa menos recurso.

No caso do Rio de Janeiro, a situação é ainda mais grave. Com uma concentração brutal da comunicação midiática no estado e na cidade do Rio de Janeiro, ou seja, concentração no processo de construção da linguagem política na região, cariocas e fluminenses perdem com o empobrecimento de seu pensamento político e, como não poderia deixar de ser, de sua própria realidade. Não à toa, São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul dominam hoje a política brasileira.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Justiça internacional e as aspirações brasileiras de liderança

Interesses nacionais e excepcionalidade

As muitas possibilidades que os estudos de identidade geraram para um maior entendimento das relações internacionais e da política externa dos países são uma das contribuições mais ricas da volta da subjetividade às Ciências Sociais. De fato, não há dúvidas de que o que criamos e fazemos diz muita coisa sobre o que somos e como percebemos o mundo em nossa volta.

Levados ao campo da política externa brasileira, estudos de identidade permitem, por exemplo, sugerir que a ação internacional do Brasil no pós-Guerra Fria combina o princípio de participação à visão tradicional do ambiente como uma arena injusta, constituindo uma noção de que a própria luta do país pela sua "sobrevivência", no espaço global, é uma forma de construir um mundo melhor e mais justo, ou seja: a excepcionalidade brasileira.

Não é difícil perceber que, após 1989, o Brasil mudou radicalmente seu perfil internacional. Pouco a pouco, o país se comprometeu com os principais regimes internacionais, mesmo que muitas vezes de forma crítica. O país se abriu ao sistemas globais de finanças e comércio, flutuou seu câmbio, colocou as questões ecológicas e de propriedade intelectual em sua agenda e se comprometeu com as regras internacionais de proliferação nuclear. Em termos políticos, a decisão, tomada e consolidada ao longo das duas últimas décadas, foi de participar dos debates internos aos regimes internacionais e de buscar o espaço brasileiro no processo de globalização. Uma transformação que deve ser vista como o fim da Guerra Fria no Brasil, entendida como um processo que se caracteriza como parte, e não produto, do momento histórico.

Desse ponto em diante, a tradição nacionalista e a necessidade de participar dos múltiplos ambientes internacionais reforçaram a posição brasileira em defesa da democratização do processo decisório internacional, que ao mesmo tempo serve de mecanismo de construção de coalizões entre nações de capacidade semelhante ou mais limitada (o tradicional terceiro-mundismo), mas também de aproximação do processo decisório, das grandes potências. O papel do Brasil nas negociações da Rodada de Doha, na OMC, ou a candidatura do país para um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU seguem o padrão sugerido. O modelo pode ser percebido na posição brasileira na arena ecológica, no tradicional (e talvez já superado) argumento de que os países mais ricos são os que devem fazer os maiores sacrifícios. Pode ser percebido também no campo da propriedade intelectual, na quebra, por exemplo, das patentes dos remédios para tratamento da Aids, e até mesmo na controversa defesa do programa nuclear iraniano, dado que a matéria versa sobre um tema sensível a alguns setores no Brasil e é muitas vezes percebida como uma intervenção das grandes potências em um projeto nacional legítimo de uma potência média.

O argumento por trás é o mesmo tanto na aproximação de Fernando Henrique Cardoso, um notório crítico do regime financeiro internacional, a Bill Clinton e Tony Blair, quanto no terceiro-mundismo de Lula. A política externa brasileira do pós-Guerra Fria combina a tradicional percepção do ambiente internacional como uma arena injusta com a idéia de que sua própria luta é uma forma de construir um mundo melhor e mais justo, constituindo uma forma brasileira de excepcionalidade. Como essa identidade pode ser cooperativa em decisões globais urgentes, como no caso da ecologia, por exemplo, e de que modo essa excepcionalidade se comportará no esperado amadurecimento econômico e político brasileiro são questões que o país terá pela frente, em um futuro próximo.