quinta-feira, 29 de março de 2012

Muito barulho por nada

Cúpula dos Brics em Nova Déli confirma problemas de unidade do bloco e wishful thinking de planejadores retrógrados

Líderes de Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul se reuniram na quinta-feira, 29, em Nova Déli, no quarto encontro de cúpula do agrupamento desde a reunião em Ecaterimburgo, na Rússia, em 2008. De concreto, os países firmaram alguns acordos que vão permitir o financiamento do comércio e do investimento entre si em moeda local, ou seja, sem a necessidade da conversão para o dólar, bem como lançaram uma declaração conjunta de praxe, repleta de reclamações, remorsos e contradições. O projeto, ao que parece, se afirma mais como um desejo de planejadores presos a concepções retrógradas de política internacional e menos como um elemento progressista para o ambiente.

No terreno da economia, o objetivo é claro, reclamar aos sete ventos uma reforma na governança econômica global que possa dar mais espaço a esses novos atores, que hoje respondem por quase 25% do PIB planetário. A Declaração de Déli apresenta o desejo dos Brics de reformas no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial, de modo que os países em questão possam ter mais voz e participação nessas instituições.

Um problema sério, no entanto, da governança econômica global vem exatamente de dentro dos Brics, o controle desvalorizado da moeda chinesa, com grandes prejuízos diretos ao menos para outros dois membros do "bloco", Índia e Brasil. Como se não bastasse, Pequim insiste em não respeitar padrões mínimos nos campos trabalhista e ambiental, que incidem no custo da produção. A China é hoje o maior país emissor de CO2 do mundo e uma fonte de preocupação a muitas economias do planeta, cujas estruturas produtivas sofrem com a concorrência desleal de produtos chineses não somente em seus próprios mercados, como também no mercado internacional.

Em outro terreno importante, o da segurança, também os interesses do grupo são contraditórios. Enquanto Brasil, Índia e África do Sul aspiram por uma reforma no Conselho de Segurança, a China tem uma posição confortável, a de único representante asiático entre os membros permanentes deste plenário. Como afirmou o professor indiano Brahma Chellaney, no artigo "The Cracks in the Brics", distribuído pelo Project Syndicate, a China não está na mesma posição dos outros países do grupo no que tange às reformas institucionais. "É uma potência revisionista da arquitetura financeira global, mas conservadora em relação ao sistema da ONU, com forte oposição à abertura do Conselho de Segurança a novos membros permanentes".

Isso sem falar das questões relativas à democracia e aos direitos humanos, terreno onde chineses e russos têm tido posições notoriamente questionáveis, tanto nos seus próprios contextos internos como também nos fóruns internacionais. O caso mais recente foi o veto de Pequim e Moscou a uma Resolução da ONU contra o criminoso governo sírio, em outubro do ano passado.

Por que então uma aliança institucional com a China? Com a Rússia? O projeto dos Brics nada mais é que uma ficção de fim previsível, criada em um banco de investimentos e alimentada com os impostos do cidadão. A mesma racionalidade que lhe dá forma incentiva comportamentos nacionais egoístas, "calculistas", competitivos e muitas vezes violentos, o que acaba com qualquer possibilidade real e duradoura de união.

O plano também estraga uma boa idéia, a do Ibas, o Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul, que fica enfraquecido. Este sim um projeto com potencial progressista, que pode atuar nos campos do multiculturalismo, da tolerância e da paz, apesar dos problemas na Índia. Pode ressaltar a cultura e atacar problemas comuns de distribuição de renda e igualdade perante a lei e o mercado.

Já o fórum dos Brics, este se sustenta de concepções retrógradas da vida e da política internacional, tendo por base velhos planos de aliança anti-hegemônica como forma e modelo para potências ambiciosas e questionadoras da ordem, em meio a um suposto contexto de competição global. É mais ou menos o que fazia e pensava Otto von Bismarck, na Alemanha, no final do século XIX.

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