segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Impostos e enchentes no Brasil

A intenção do governo Dilma Rousseff de apresentar um plano de redução da contribuição patronal para o INSS em até 30%, divulgado na imprensa brasileira na semana passada, toca em um tema sensível do debate político brasileiro: a taxação. Com o mérito de abrir a discussão, a proposta traz tanto um componente progressista quanto um conservador ao tema que, no contexto brasileiro, sofre mais que se beneficia com os conceitos tradicionais da economia política. Aqui, as ideias de "gastar mais" ou "gastar menos" impedem o debate político e servem de escudo para a transformação.

De fato, com o projeto, o governo traz uma contribuição interessante. Abre o debate sobre os impostos no Brasil com uma sinalização de que a autoridade federal está disposta a reduzir permanentemente alguns de seus percentuais, o que possibilita, inclusive, a oportunidade de discutir a volta ou mesmo a criação de outras taxas, relativas a fins distintos. Como, por exemplo, a Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira, a CPMF, que taxou toda movimentação financeira legal no Brasil entre 1997 e 2007, em algo em torno de 0,35%. O imposto foi criado para ajudar no financiamento do sistema de saúde pública no país, mas não foi renovado pelo Senado brasileiro em uma das maiores derrotas que o governo Lula sofreu da oposição. Não por acaso, Dilma Rousseff já se manifestou mais de uma vez a favor da CPMF.

Além do mérito de abrir o debate sobre os impostos e seus fins, ou sobre os próprios objetivos da política, o plano do governo de reduzir a contribuição patronal ao INSS apresenta um componente progressista de uma política preocupada com a expansão da regulação do mercado de trabalho no país, em benefício da universalização dos direitos do "trabalhador". Caso o incentivo seja posto em prática, o Planalto espera que as firmas brasileiras, assim, contratem mais e, claro, de forma própria.

Por outro lado, no entanto, a sugestão carrega um forte e tradicional componente conservador da política brasileira. Com o notório descaso às noções clássicas do liberalismo político e o repetido esvaziamento do indivíduo como ente da política, a esquerda brasileira no poder (mas não somente a esquerda) reproduz políticas enquadradas por conceitos de massa como "a classe trabalhadora", "a classe empresarial", "a nação", "as classes sociais". O "cidadão", mais uma vez, não aparece em uma ação voltada diretamente para os dois pólos da tensão capitalista: o "trabalhador" e o "empresário".

Inseridos nesse paradigma de massa constituído por entidades fictícias e marcados pela ausência do indivíduo como ente político, os benefícios e bens públicos da sociedade brasileira, aqueles cuja preocupação maior é o cidadão, se apresentam há muito tempo na pior das situações: alto custo e terríveis administração e serviço. Este é o caso, por exemplo, das escolas públicas, da saúde pública, das estruturas ligadas à violência e à Justiça, ou dos meios para a prevenção de catástrofes naturais e ajuda em tragédias grandes e complexas, como a que ocorreu na região serrana do Rio de Janeiro, recentemente.

Nesse contexto, os conceitos tradicionais da economia política, ou os argumentos sobre se o Estado deve gastar mais ou menos, cortam a comunicação política no início do debate e impedem a transformação da própria definição da política, ou do próprio caráter social e econômico do país. Propícia à discussão é uma noção de sociedade de massa social, política e economicamente concentrada em dois pólos: os poucos ricos e influentes e os muitos consumidores de baixa renda, com uma elite intelectual forçosa ou intencionalmente separada da realidade. Abertas ao tempo e a cientistas sociais estão as questões sobre o impacto relativo da comunicação via internet em tal organização social.

2 comentários:

  1. Olá Arthur,

    Bom post. Interessante o insight sobre classe x cidadão. Quanto aos direitos dos trabalhadores, a atual legislação só os tira, porque taxa violentamente o trabalho e impede qualquer negociação entre funcionário e empregador. É claro, depois de dificultar o emprego e gerar milhões de litígios na justiça do trabalho, permite que o trabalhador faça um acordo, ou seja, abra mão dos seus "direitos" sob os olhos de um juiz.

    Simplificar essa legislação, acabar com penduricalhos paternalistas como 13o salário e, principalmente, reduzir os encargos seria uma benção para o mercado de trabalho brasileiro que tem cerca de 40% das pessoas informais, sem direito nenhum.

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  2. Olá Eduardo, obrigado pela leitura e pelos comentários, sempre bastante construtivos. Concordo plenamente com suas conclusões sobre os "direitos do trabalhador". Não é difícil perceber nisso a velha prática brasileira de se autoenganar com as leis, como se o que está escrito fosse suficiente para dar conta da realidade marcada pelo desequilíbrio. Um abraço, Arthur

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