quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A vergonha "sem teto" do funcionalismo público

Desde o início da semana, a Folha chama a atenção para a iniciativa do governo que promete até o fim do ano regulamentar, com um projeto de lei, o teto salarial dos servidores públicos federais. O limite atual que, teoricamente, é de R$ 26,7 mil ao mês, remuneração concedida aos ministros do Supremo Tribunal Federal, é excedido em muitos casos – como o do presidente do Senado José Sarney, cujo salário chega a R$ 60 mil, segundo a Folha, com base numa estimativa do Ministério Público Federal.

E o presidente não é exceção no Senado, o site Congresso em Foco divulgou recentemente uma lista bastante ampla de funcionários da Casa que, em 2009, ganhavam acima do teto, alguns deles lotados na gráfica da instituição.

"Embora a Constituição fixe como limite máximo a remuneração concedida a ministros do Supremo (...), anos e anos de astúcias regimentais e camaradagens judiciárias permitiram que se formasse uma elite de funcionários – sardonicamente apelidada de "sem-teto" – que recebem rendimentos de até R$ 60 mil", afirma a Folha, em editorial publicado hoje (03/10).

O problema esbarra numa distorção vergonhosa do Estado brasileiro, onde os salários do funcionalismo público são em média maiores que aqueles praticados no mercado. Um "Comunicado da Presidência", por exemplo, produzido pelo Ipea em dezembro de 2010, concluiu: dados de 2008 revelam uma diferença de 56% em média a favor dos vencimentos no setor público (incluindo as instâncias estaduais e municipais), esta diferença era de 33% em 1998! Ao se tomar a discrepância de salários entre o setor público e o privado no Brasil, para cada grau de instrução, percebe-se que os primeiros são maiores em todos os níveis, 27% maiores para empregados com ensino médio completo, 8% para aqueles com ensino fundamental completo e 7% no caso de funcionários com ensino superior.

Ora, o serviço público, como o político, que teoricamente trabalha pelo bem comum, e não particular, não pode ser melhor remunerado que o mercado, cujo objetivo principal é o lucro, a acumulação. Pode haver alguns benefícios como a estabilidade, um sistema diferenciado de aposentadoria – talvez não tão diferenciado quanto o existente, mas vá lá –, um trabalho com pressões diferentes daquelas do mercado competitivo, mas nunca salários maiores, que esvaziam o sentido voluntarista do serviço público e reduzem o incentivo empreendedor da sociedade.

Como diz a Folha, a tese de que salários menores afastaria os melhores profissionais das carreiras governamentais não se sustenta. "Servidores concursados até podem ganhar um pouco menos do que receberiam em empresas privadas, mas auferem uma série de benefícios, como a estabilidade e o privilégio de aposentar-se mantendo os vencimentos da ativa, que diminuem, quando não compensam, a diferença", afirma o jornal. "Muitos funcionários que estão apenas de passagem pelo governo, por seu turno, investem em suas carreiras. Dispõem-se a passar algum tempo com salários comparativamente reduzidos, mas, quando voltam para a iniciativa privada, costumam ter seus rendimentos bastante elevados".

Pode-se acrescentar ainda a questão da opção profissional de cada um, com base nos seus próprios anseios. Nem todos, ao menos entre aqueles que podem optar, estão dispostos a dedicar uma vida inteira de trabalho ao lucro empresarial ou à acumulação no mercado, e o serviço público pode ser uma opção para essas pessoas como muitas vezes é a arte, a pesquisa, o trabalho social, cujos rendimentos são mais incertos do que aqueles no mercado.

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