quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A aventura do desenvolvimento

Morte de Marshall Berman, autor do clássico Tudo que é sólido desmancha no ar, traz reflexões sobre o processo brasileiro de modernização forçada.

Morreu no último dia 11 de setembro, em Nova York, o filósofo marxista, professor de Ciência Política nas universidades Harvard e Columbia, Marshall Berman. Autor do best-seller Tudo que é sólido desmancha no ar: A aventura da modernidade, publicado pela Companhia das Letras no Brasil no início dos anos 1980, Berman deixa um legado intelectual de forte conotação humanística e marcado por uma crítica cultural poderosa, que desvela processos como aqueles, por exemplo, embutidos no moderno desenvolvimento social e econômico brasileiro.

Afinal, como ressalta Perry Anderson, em resenha publicada na revista britânica New Left Review, em 1984, Tudo que é sólido desmancha no ar ressalta uma noção de "modernidade" como uma "experiência compartilhada". Nesse sentido, ser moderno é estar em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, transformação de nós mesmos e do mundo, mas também destruição de tudo que temos, sabemos e somos. Trata-se de um paradoxo que une os homens, uma união de desunião, uma unidade de desunidade, que nos coloca a todos em meio ao mal-estar da constante desintegração e renovação, luta e contradição, ambiguidade e angústia.

O que gera tudo isso? Para Berman, uma série de processos históricos sociais como as descobertas científicas, as reviravoltas da economia industrial, as transformações demográficas, a expansão urbana, os Estados nacionais, os movimentos de massa etc., todos concebidos, em última instância, no centro do mercado global capitalista, sempre em expansão, em constantemente ebulição. Nesse ambiente, surge uma enorme variedade de visões e ideias que colocam a todos como sujeitos e objetos da modernização, com o poder de transformar o mundo que transforma a todos, com o poder de pensar saídas, não importa o caos. Nesse sentido dialético, a modernidade não é vista como um processo econômico ou cultural, mas uma experiência histórica mediadora das relações entre os homens.

A partir dessa noção, foi possível para Berman, como bem sugere Perry Anderson, analisar a tensão existente entre "modernização" e "modernismo", tendo o "desenvolvimento" como elo de ligação entre os termos. Nesse sentido, o "desenvolvimento" é visto de duas maneiras. Por um lado, como um objetivo gigantesco de transformação da sociedade no contexto do mercado global capitalista, ou seja, o "desenvolvimento econômico". Por outro, uma transformação subjetiva engrandecedora do indivíduo, uma experiência de desenvolvimento pessoal, elevadora até mesmo da experiência humana na Terra.

Segundo Berman, a combinação dessas duas noções de desenvolvimento, no contexto compulsivo do mercado global capitalista, põe o indíviduo moderno em uma tensão permanente. Se, por um lado, foram postos abaixo o confinamento e as restrições do feudalismo, o imobilismo social e a tradição enclausurada, por meio de um imenso processo de destruição cultural, de hábitos e costumes previamente existentes, os mesmos processos suscitaram, por outro lado, uma sociedade brutalmente alienada e individualizada, calcada na exploração econômica e na indiferença social, com o poder de destruir qualquer valor cultural ou político criado por esta mesma sociedade, de modo cada vez mais rápido.

Com base em tal interpretação do desenvolvimento histórico moderno, Marshal Berman ressalta em sua obra pelo menos duas preocupações fundamentais, interligadas e particularmente interessantes na interpretação histórica do desenvolvimento (econômico) brasileiro. A primeira é com os processos forçados de modernização de cima para baixo, onde os Estados nacionais assumem papel de gerentes dos interesses econômicos, papel este legitimado pelo discurso democrático e calcado na alienação política das massas. A segunda é com uma visão de modernidade, para o bem ou para o mal, concebida como um monolito, como uma realidade incapaz de ser (politicamente) moldada ou modificada pelo cidadão.

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