No contexto do julgamento do extremista norueguês Anders Behring Breivik, que assassinou 77 pessoas na Noruega no último mês de julho, o site openDemocracy publicou, na quarta-feira, 18/04, um artigo do diretor do Norwegian Peacebuilding Centre (Noref), Mariano Aguirre. O texto, "The far right takes root in Europe", uma tradução do original em francês publicado pelo Le Monde Diplomatique, faz um alerta: da Holanda à Alemanha, da Grã-Bretanha à França, a extrema-direita só faz crescer na Europa, como provam os quase 20% dos votos recebidos por Marine Le Pen no primeiro turno das últimas eleições presidenciais francesas, disputadas no domingo, 22/04.
Segundo Aguirre, cerca de 30 partidos políticos que abertamente pregam uma "identidade pura europeia" estão em processo hoje de consolidação de suas posições, em vários parlamentos europeus. Ao mesmo tempo, organizações como a English Defense League, Plataforma Catalunya e Milítia Chírstí não param de crescer. Seus principais alvos: a comunidade islâmica e a classe política liberal, considerada responsável pela "deterioração da identidade cristã europeia".
O autor cita um estudo da Universidade de Nottingham que aponta para as plataformas principais dos partidos extremistas europeus: forte oposição à imigração (particularmente a muçulmana), à diversidade étnica e ao multiculturalismo. Ao mesmo tempo, tais organizações afirmam que os partidos tradicionais são demasiadamente softs nessas questões.
Além disso, Aguirre apresenta outro estudo, feito na Universidade de Bergen, que mostra a forte ligação entre o discurso anti-imigração, mas não deliberadamente racista ou anti-semita, e o sucesso eleitoral dos novos partidos extremistas na Europa. Segundo o pesquisador, o novo extremismo europeu é pró-americano e considera Israel um bastião da luta ocidental contra o avanço islâmico.
Ainda nesse contexto, Aguirre cita o best seller do economista social-democrata alemão Thilo Sarrazin, ex-membro do Conselho Executivo do Banco Central da Alemanha. Publicado em 2010, o livro projeta um declínio econômico e cultural da Alemanha, em função da imigração árabe e turca, segundo ele, de QI mais baixo. Em outubro daquele mesmo ano, lembra Mariano Aguirre, a chanceler Angela Merkel afirmou que o multiculturalismo havia falhado. Em seu primeiro discurso como primeiro-ministro britânico, em fevereiro de 2011, David Cameron disse exatamente o mesmo.
O fato é que as tradicionais democracias ocidentais estão em crise, com a situação na Europa e nos Estados Unidos. Por outro lado, nações com regimes centralizados como Rússia e, principalmente, China, despontam no cenário econômico internacional, junto com jovens democracias ainda em formação, como é o caso de Brasil, Índia e África do Sul.
Bom momento para lembrar dos alertas feitos pelo austríaco Friedrich von Hayek, sobre o perigo da tirania que inevitavelmente resulta do centralismo e do exagerado planejamento econômico estatal, feito no clássico O caminho da servidão, escrito no início dos anos 1940. A demanda por Estados fortes para conter crises econômicas, reforçada por discursos xenófobos e com base no sucesso de outras tiranias tem resultado tão trágico quanto conhecido.
quinta-feira, 19 de abril de 2012
quinta-feira, 5 de abril de 2012
O estado do mundo, 2012
Worldwatch Institute lança seu balanço anual de olho na Rio+20
A organização ambiental Worldwatch Institute lança, no próximo dia 11 de abril, em Washington, seu balanço anual sobre o estado do planeta, o State of the World 2012: Moving Toward Sustainable Prosperity. Para a organização, 20 anos e muitas conferências depois da ECO 92, a humanidade nunca esteve tão perto do colapso ecológico.
Logo na apresentação do trabalho, cuja versão em português será lançada no Rio, nas vésperas da conferência da ONU na cidade, em junho, o instituto alerta para o fato de que hoje no mundo um terço da humanidade vive em situação de pobreza e 2 bilhões de novos seres humanos se juntarão a nós, 7 bilhões, nos próximos 40 anos. Com isso, pergunta o instituto, como proporcionar melhores condições de vida aos desprovidos que aqui estão, bem como àqueles que virão, sem causar novos danos ambientais a um planeta já em pleno declínio ecológico?
Como afirma o presidente da organização, Robert Engelman, no prefácio do mais novo State of the World, em algum momento as emissões chegarão a um pico e terão que declinar. Em algum momento, os índices de fertilidade terão que ser reduzidos.
"Este trabalho é o foco principal de um projeto mais amplo que continuará tentando chamar a atenção de todos para a necessidade de ações mais efetivas em prol de empregos e trabalhos mais limpos ecologicamente, fontes de energia mais sustentáveis, cuidados ambientais com a alimentação e a água potável, com os oceanos e as cidades", afirma Engelman. "Em suma, continuaremos tentando chamar a atenção de todos para a necessidade de uma prosperidade global mais equilibrada e que possa ser sustentável ao longo dos próximos séculos".
Apesar de muitas vezes ainda não levado a sério, o problema ambiental trouxe e traz grandes contribuições para o âmbito da cultura política. Não serão leis ou governos, apesar de importantes, os motores fundamentais de uma mudança nesse terreno. Será necessária toda uma nova cultura não só de produção e consumo, como normalmente se imagina, mas também e principalmente política. A questão energética, bem como a desigual distribuição da riqueza no mundo, por exemplo, são absolutamente dependentes de uma concepção de política internacional calcada na velha e violenta competição pelo poder, repleta de valores negativos como o egoísmo nacional e o materialismo. O debate sobre o meio ambiente questiona a reprodução sem reflexão, por governos, pessoas ou empresas, de práticas sociais e lógicas tão defasadas quanto destrutivas. Esta talvez seja sua principal contribuição.
A organização ambiental Worldwatch Institute lança, no próximo dia 11 de abril, em Washington, seu balanço anual sobre o estado do planeta, o State of the World 2012: Moving Toward Sustainable Prosperity. Para a organização, 20 anos e muitas conferências depois da ECO 92, a humanidade nunca esteve tão perto do colapso ecológico.
Logo na apresentação do trabalho, cuja versão em português será lançada no Rio, nas vésperas da conferência da ONU na cidade, em junho, o instituto alerta para o fato de que hoje no mundo um terço da humanidade vive em situação de pobreza e 2 bilhões de novos seres humanos se juntarão a nós, 7 bilhões, nos próximos 40 anos. Com isso, pergunta o instituto, como proporcionar melhores condições de vida aos desprovidos que aqui estão, bem como àqueles que virão, sem causar novos danos ambientais a um planeta já em pleno declínio ecológico?
Como afirma o presidente da organização, Robert Engelman, no prefácio do mais novo State of the World, em algum momento as emissões chegarão a um pico e terão que declinar. Em algum momento, os índices de fertilidade terão que ser reduzidos.
"Este trabalho é o foco principal de um projeto mais amplo que continuará tentando chamar a atenção de todos para a necessidade de ações mais efetivas em prol de empregos e trabalhos mais limpos ecologicamente, fontes de energia mais sustentáveis, cuidados ambientais com a alimentação e a água potável, com os oceanos e as cidades", afirma Engelman. "Em suma, continuaremos tentando chamar a atenção de todos para a necessidade de uma prosperidade global mais equilibrada e que possa ser sustentável ao longo dos próximos séculos".
Apesar de muitas vezes ainda não levado a sério, o problema ambiental trouxe e traz grandes contribuições para o âmbito da cultura política. Não serão leis ou governos, apesar de importantes, os motores fundamentais de uma mudança nesse terreno. Será necessária toda uma nova cultura não só de produção e consumo, como normalmente se imagina, mas também e principalmente política. A questão energética, bem como a desigual distribuição da riqueza no mundo, por exemplo, são absolutamente dependentes de uma concepção de política internacional calcada na velha e violenta competição pelo poder, repleta de valores negativos como o egoísmo nacional e o materialismo. O debate sobre o meio ambiente questiona a reprodução sem reflexão, por governos, pessoas ou empresas, de práticas sociais e lógicas tão defasadas quanto destrutivas. Esta talvez seja sua principal contribuição.
quinta-feira, 29 de março de 2012
Muito barulho por nada
Líderes de Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul se reuniram na quinta-feira, 29, em Nova Déli, no quarto encontro de cúpula do agrupamento desde a reunião em Ecaterimburgo, na Rússia, em 2008. De concreto, os países firmaram alguns acordos que vão permitir o financiamento do comércio e do investimento entre si em moeda local, ou seja, sem a necessidade da conversão para o dólar, bem como lançaram uma declaração conjunta de praxe, repleta de reclamações, remorsos e contradições. O projeto, ao que parece, se afirma mais como um desejo de planejadores presos a concepções retrógradas de política internacional e menos como um elemento progressista para o ambiente.
No terreno da economia, o objetivo é claro, reclamar aos sete ventos uma reforma na governança econômica global que possa dar mais espaço a esses novos atores, que hoje respondem por quase 25% do PIB planetário. A Declaração de Déli apresenta o desejo dos Brics de reformas no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial, de modo que os países em questão possam ter mais voz e participação nessas instituições.
Um problema sério, no entanto, da governança econômica global vem exatamente de dentro dos Brics, o controle desvalorizado da moeda chinesa, com grandes prejuízos diretos ao menos para outros dois membros do "bloco", Índia e Brasil. Como se não bastasse, Pequim insiste em não respeitar padrões mínimos nos campos trabalhista e ambiental, que incidem no custo da produção. A China é hoje o maior país emissor de CO2 do mundo e uma fonte de preocupação a muitas economias do planeta, cujas estruturas produtivas sofrem com a concorrência desleal de produtos chineses não somente em seus próprios mercados, como também no mercado internacional.
Em outro terreno importante, o da segurança, também os interesses do grupo são contraditórios. Enquanto Brasil, Índia e África do Sul aspiram por uma reforma no Conselho de Segurança, a China tem uma posição confortável, a de único representante asiático entre os membros permanentes deste plenário. Como afirmou o professor indiano Brahma Chellaney, no artigo "The Cracks in the Brics", distribuído pelo Project Syndicate, a China não está na mesma posição dos outros países do grupo no que tange às reformas institucionais. "É uma potência revisionista da arquitetura financeira global, mas conservadora em relação ao sistema da ONU, com forte oposição à abertura do Conselho de Segurança a novos membros permanentes".
Isso sem falar das questões relativas à democracia e aos direitos humanos, terreno onde chineses e russos têm tido posições notoriamente questionáveis, tanto nos seus próprios contextos internos como também nos fóruns internacionais. O caso mais recente foi o veto de Pequim e Moscou a uma Resolução da ONU contra o criminoso governo sírio, em outubro do ano passado.
Por que então uma aliança institucional com a China? Com a Rússia? O projeto dos Brics nada mais é que uma ficção de fim previsível, criada em um banco de investimentos e alimentada com os impostos do cidadão. A mesma racionalidade que lhe dá forma incentiva comportamentos nacionais egoístas, "calculistas", competitivos e muitas vezes violentos, o que acaba com qualquer possibilidade real e duradoura de união.
O plano também estraga uma boa idéia, a do Ibas, o Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul, que fica enfraquecido. Este sim um projeto com potencial progressista, que pode atuar nos campos do multiculturalismo, da tolerância e da paz, apesar dos problemas na Índia. Pode ressaltar a cultura e atacar problemas comuns de distribuição de renda e igualdade perante a lei e o mercado.
Já o fórum dos Brics, este se sustenta de concepções retrógradas da vida e da política internacional, tendo por base velhos planos de aliança anti-hegemônica como forma e modelo para potências ambiciosas e questionadoras da ordem, em meio a um suposto contexto de competição global. É mais ou menos o que fazia e pensava Otto von Bismarck, na Alemanha, no final do século XIX.
quarta-feira, 21 de março de 2012
Brazilian politics: The São Paulo microcosm
A major political contest
over the city of São Paulo could also be a rehearsal
for Brazil's next presidential election, says Arthur Ituassu @ openDemocracy.
quinta-feira, 15 de março de 2012
Mídia e democracia na América Latina
Relatório da organização Plataforma Democrática procura fugir do confronto entre governos e empresas.
Apesar da data que consta da capa, julho de 2011, a organização Plataforma Democrática divulgou há poucos dias um relatório que trata dos problemas em torno da regulação da mídia nas democracias latino-americanas. Como seu grande mérito, o texto sugere que a dicotomia governo-empresa eterniza, no continente, uma estrutura midiática perversa. É preciso que outros atores entrem no debate.
Por um lado, as agências de comunicação dos governos da região, em geral, não conseguem desenvolver comunicação de perfil independente, não conquistam audiência e têm um custo muito alto para a sociedade. Ao mesmo tempo, os conselhos e as agências regulatórias parecem não conseguir, nos países latino-americanos, conquistar posição autônoma em relação aos governos e partidos políticos ou mesmo às empresas.
Do outro lado, as empresas acusam de antidemocrática qualquer intervenção no ambiente midiático, em geral escandalosamente concentrado, nas mãos de muitos políticos e poucas grandes corporações.
Nesse campo dialético, perde-se de vista, entre outras coisas, a referência do pluralismo, por exemplo, uma contribuição política importante do liberalismo, esquecida na interpretação economicista da ideologia. Em jogo está não somente a comunicação, mas realidade, existência e identidade social.
Apesar da data que consta da capa, julho de 2011, a organização Plataforma Democrática divulgou há poucos dias um relatório que trata dos problemas em torno da regulação da mídia nas democracias latino-americanas. Como seu grande mérito, o texto sugere que a dicotomia governo-empresa eterniza, no continente, uma estrutura midiática perversa. É preciso que outros atores entrem no debate.
Por um lado, as agências de comunicação dos governos da região, em geral, não conseguem desenvolver comunicação de perfil independente, não conquistam audiência e têm um custo muito alto para a sociedade. Ao mesmo tempo, os conselhos e as agências regulatórias parecem não conseguir, nos países latino-americanos, conquistar posição autônoma em relação aos governos e partidos políticos ou mesmo às empresas.
Do outro lado, as empresas acusam de antidemocrática qualquer intervenção no ambiente midiático, em geral escandalosamente concentrado, nas mãos de muitos políticos e poucas grandes corporações.
Nesse campo dialético, perde-se de vista, entre outras coisas, a referência do pluralismo, por exemplo, uma contribuição política importante do liberalismo, esquecida na interpretação economicista da ideologia. Em jogo está não somente a comunicação, mas realidade, existência e identidade social.
sexta-feira, 9 de março de 2012
Pressão sobre Aécio Neves
Como de praxe, o site britânico openDemocracy encomendou um artigo sobre a recente decisão de José Serra de disputar as eleições municipais em São Paulo e suas consequências para a dinâmica política nacional. No texto, já enviado ao site e que será publicado em breve, foram levantados os seguintes pontos.
Em primeiro lugar, ficou claro, com a interferência direta de Lula no processo de escolha do candidato petista, que o ex-presidente pretende atacar a hegemonia do PSDB em São Paulo. Vale lembrar que, em 2014, Geraldo Alckmin terminará seu primeiro mandato completando 24 anos do partido no governo do estado, podendo ainda concorrer à reeleição. Da mesma forma, todos os grandes adversários do PT nas últimas eleições presidenciais desde 1994 vieram de São Paulo: Fernando Henrique, Serra, duas vezes, e Geraldo Alckmin.
Nesse mesmo contexto, é fácil perceber como o movimento feito por Lula e sua tentativa de angariar o atual prefeito Gilberto Kassab para a campanha de Fernando Haddad, ao fim, foram fundamental para a decisão de Serra. Caso não decidisse pela disputa, o ex-ministro da Saúde do governo FHC poderia vir a ser culpado por uma provável derrota do PSDB na capital econômica do país, o que certamente dificultaria a posição do partido para as eleições de 2014, tanto no nível estadual quanto nacional. Não há dúvidas de que uma vitória do PT em São Paulo colocará a cidade no topo da agenda do governo federal. Vale lembrar, afinal, que Serra venceu Dilma no município em 2010, com 53% dos votos contra 46%. Sua candidatura ao município trouxe de volta Kassab para a órbita do PSDB na cidade e ainda colocou um nome de peso da legenda na disputa, o que não seria o caso se o ex-governador resolvesse ficar de fora.
Serra, de qualquer forma, terá um grande desafio pela frente. Uma pesquisa publicada pela Folha de São Paulo no domingo, 4 de março, mostra que 44% dos eleitores da cidade estão dispostos a votar em quem Lula apoiar e apenas 10% deles sabem, neste momento, que o ex-presidente está por trás da candidatura de Fernando Haddad. Além disso, 66% acreditam que Serra, se eleito, não completará seu mandato, como fez em 2006, quando largou a Prefeitura de São Paulo apenas um ano depois de tomar posse, para concorrer ao governo do estado. Dessa vez, para os entrevistados, o alvo seriam as eleições de 2014 para a Presidência.
Contra Haddad, estão os escândalos no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), durante o período em que foi ministro da Educação, que certamente serão usados contra ele na campanha. Além disso, a interferência de Lula não agradou a militância do partido, que preferia a candidatura da senadora Marta Suplicy. Como se não bastasse, a saúde do ex-presidente anda precária e uma punição perpetrada pela Justiça Eleitoral ao PT suspendeu os programas de TV estadual e nacional do partido no primeiro semestre deste ano, o que prejudica a exposição de Haddad. O petista é conhecido apenas por 44% da população, segundo a Folha. José Serra, por 99%.
Ao fim, os resultados da disputa trarão consequências amplas para a política nacional. Se Serra vencer, o PSDB permanecerá forte em São Paulo e em boa posição para manter o poder estadual. Se Haddad vencer, o PT fortalecerá ainda mais sua hegemonia nacional e terá a chance de finalmente destituir o PSDB do governo paulista em 2014.
No entanto, alguns efeitos podem ser sentidos hoje mesmo. Não há dúvidas de que a candidatura Serra às eleições municipais de São Paulo abriu espaço para o senador mineiro Aécio Neves consolidar seu nome como próximo candidato do PSDB à Presidência. Afinal, se Serra vencer, uma nova renúncia seria considerado suicídio político em sua própria base eleitoral. Se perder, estará muito enfraquecido para disputar a candidatura nacional do partido. Nesse contexto, conta ainda a recente declaração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, afirmando que Aécio Neves é o "candidato natural" do PSDB na próxima eleição presidencial.
Junto com a oportunidade vem o desafio. Aécio, se candidato, enfrentará uma presidente até agora altamente popular e que não poupará esforços para se reeleger. Dilma Rousseff terminou seu primeiro ano de governo com 59% de aprovação, um índice maior, por exemplo, que o de Lula no primeiro mandato (42%) e no segundo mandato (50%). Além disso, o senador pode ter apenas uma chance. Alckmin e Serra estarão à espreita para 2018, quando o primeiro completará 66 anos. O segundo, 76.
O texto para o site openDemocracy pode ser lido aqui.
quinta-feira, 1 de março de 2012
Ufanismo estratégico
Tragédia na Antártica expõe contradições do Estado brasileiro.
Uma das mais importantes teorias do estudo da consciência política, em especial daquela produzida e reproduzida na mídia, diz respeito aos "enquadramentos" utilizados na interpretação de determinados fatos e fenômenos. A grosso modo, a idéia é a de que o discurso midiático não somente chama a atenção para determinados assuntos específicos, tendo um peso importante na construção da agenda política e social, como também apresenta interpretações próprias, modos específicos de pensar e analisar os temas propostos.
No caso do incêndio da base brasileira Comandante Ferraz na Antártica, por exemplo, ocorrido na madrugada do sábado, 25/02, e que esteve presente na cobertura jornalística do país durante toda a semana, muito claramente predominou o que pode ser chamado de "enquadramento da escassez", que associa a tragédia ao corte de verbas e à falta de apoio por parte do governo federal a pesquisas consideradas estratégicas para o país.
Logo no domingo, 26/02, a Folha publicou a matéria principal "Fogo destroi (sic) base na Antártida e mata 2", acompanhada do texto "Carência de recursos prejudica programa antártico". Na segunda, dia 27/02, o jornal paulista também chamou a atenção para o fato de que a "Verba para programa antártico é a mais baixa dos últimos anos". Da mesma forma, O Globo, no domingo, publicou a matéria principal com o título "Pesquisa científica em chamas", com um texto secundário na página seguinte intitulado: "Incêndio ameaça futuro de pesquisas estratégicas do Brasil". Mais adiante, na terça-feira, 28/02, um box de opinião do Globo afirmou: "[É] preciso investigar a fundo o que houve. Não só as causas técnicas, específicas do desastre, mas também averiguar se cortes feitos no orçamento do projeto não o vulnerabilizaram". O Jornal Nacional também seguiu o mesmo caminho. Em matéria do dia 27/02, o telejornal citou relatório do Contas Abertas do mesmo dia que aponta para o problema da escassez orçamentária.
Junto à questão relativa aos recursos, outra interpretação corrente é a de que a ação do Brasil e as pesquisas brasileiras feitas na Antártica têm importância "estratégica". O termo foi utilizado pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Marco Antonio Raupp, por exemplo, que afirmou no Globo, na página 3 da edição de 27/02 : "O programa Antártico é estratégico para o país. Então, não pode parar". O mesmo jornal, no dia anterior, afirma na página 4 que: "Do ponto de vista estratégico, a presença do Brasil na Antártica também é fundamental". Na Folha, o ministro da Defesa, Celso Amorim, chegou a afirmar (página A7, 27/02) que o programa brasileiro é importante "não apenas para o Brasil como para a própria humanidade".
De fato, ao que parece, o Brasil desenvolve, como afirma um cientista no Globo (p.4, 26/02), pesquisas de "impacto mundial" na Antártica. Ainda no Globo, no mesmo texto, a bióloga da UFRJ Lúcia Siqueira Campos aparece afirmando que o Brasil faz "ciência de ponta na Antártica". Segundo publicado pelo jornal, são "estudos com implicações importantes sobre o clima no Brasil, recursos pesqueiros e biodiversidade", com equipamentos caros avaliados em até US$ 1 milhão.
No continente gelado, o país faz pesquisa sobre a retração das geleiras e o impacto disso no clima global, a diminuição do gelo marinho e a consequente redução de krill no mar, que alimenta as baleias azuis, sobre os efeitos da radiação ultravioleta, sobre substâncias anticongelantes encontradas nos peixes e outros organismos vivos da região, sobre as alterações nas correntes marinhas que afetam o clima brasileiro etc. Tudo isso apoiado por instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Instituto de Ciência e Tecnologia Antártico de Pesquisas Ambientais e do Comitê Nacional de Pesquisas Antárticas.
Segundo o Contas Abertas, foram estimados pelo governo brasileiro, entre 2001 e 2011, R$ 145 milhões para gastos na Antártica, mas investidos de fato somente R$ 114 milhões. Pouco? Dá para duvidar. Para um país que não consegue prover educação básica de qualidade mínima para as suas crianças ou oportunidades iguais mínimas universais para seus cidadãos, saúde pública minimamente respeitosa, segurança pública e justiça em seu já vasto território, não parece pouco.
Na mesma semana, sem ganhar tanta atenção, o Ministério da Educação elevou o piso salarial dos professores brasileiros em jornada de 40 horas para R$ 1.451,00, valor que muitas prefeituras, por todo país, reclamam que não vão conseguir pagar a seus mestres. Oxalá algum dia, no Brasil, educação, saúde, justiça e segurança sejam também áreas consideradas estratégicas.
Uma das mais importantes teorias do estudo da consciência política, em especial daquela produzida e reproduzida na mídia, diz respeito aos "enquadramentos" utilizados na interpretação de determinados fatos e fenômenos. A grosso modo, a idéia é a de que o discurso midiático não somente chama a atenção para determinados assuntos específicos, tendo um peso importante na construção da agenda política e social, como também apresenta interpretações próprias, modos específicos de pensar e analisar os temas propostos.
No caso do incêndio da base brasileira Comandante Ferraz na Antártica, por exemplo, ocorrido na madrugada do sábado, 25/02, e que esteve presente na cobertura jornalística do país durante toda a semana, muito claramente predominou o que pode ser chamado de "enquadramento da escassez", que associa a tragédia ao corte de verbas e à falta de apoio por parte do governo federal a pesquisas consideradas estratégicas para o país.
Logo no domingo, 26/02, a Folha publicou a matéria principal "Fogo destroi (sic) base na Antártida e mata 2", acompanhada do texto "Carência de recursos prejudica programa antártico". Na segunda, dia 27/02, o jornal paulista também chamou a atenção para o fato de que a "Verba para programa antártico é a mais baixa dos últimos anos". Da mesma forma, O Globo, no domingo, publicou a matéria principal com o título "Pesquisa científica em chamas", com um texto secundário na página seguinte intitulado: "Incêndio ameaça futuro de pesquisas estratégicas do Brasil". Mais adiante, na terça-feira, 28/02, um box de opinião do Globo afirmou: "[É] preciso investigar a fundo o que houve. Não só as causas técnicas, específicas do desastre, mas também averiguar se cortes feitos no orçamento do projeto não o vulnerabilizaram". O Jornal Nacional também seguiu o mesmo caminho. Em matéria do dia 27/02, o telejornal citou relatório do Contas Abertas do mesmo dia que aponta para o problema da escassez orçamentária.
Junto à questão relativa aos recursos, outra interpretação corrente é a de que a ação do Brasil e as pesquisas brasileiras feitas na Antártica têm importância "estratégica". O termo foi utilizado pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Marco Antonio Raupp, por exemplo, que afirmou no Globo, na página 3 da edição de 27/02 : "O programa Antártico é estratégico para o país. Então, não pode parar". O mesmo jornal, no dia anterior, afirma na página 4 que: "Do ponto de vista estratégico, a presença do Brasil na Antártica também é fundamental". Na Folha, o ministro da Defesa, Celso Amorim, chegou a afirmar (página A7, 27/02) que o programa brasileiro é importante "não apenas para o Brasil como para a própria humanidade".
De fato, ao que parece, o Brasil desenvolve, como afirma um cientista no Globo (p.4, 26/02), pesquisas de "impacto mundial" na Antártica. Ainda no Globo, no mesmo texto, a bióloga da UFRJ Lúcia Siqueira Campos aparece afirmando que o Brasil faz "ciência de ponta na Antártica". Segundo publicado pelo jornal, são "estudos com implicações importantes sobre o clima no Brasil, recursos pesqueiros e biodiversidade", com equipamentos caros avaliados em até US$ 1 milhão.
No continente gelado, o país faz pesquisa sobre a retração das geleiras e o impacto disso no clima global, a diminuição do gelo marinho e a consequente redução de krill no mar, que alimenta as baleias azuis, sobre os efeitos da radiação ultravioleta, sobre substâncias anticongelantes encontradas nos peixes e outros organismos vivos da região, sobre as alterações nas correntes marinhas que afetam o clima brasileiro etc. Tudo isso apoiado por instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Instituto de Ciência e Tecnologia Antártico de Pesquisas Ambientais e do Comitê Nacional de Pesquisas Antárticas.
Segundo o Contas Abertas, foram estimados pelo governo brasileiro, entre 2001 e 2011, R$ 145 milhões para gastos na Antártica, mas investidos de fato somente R$ 114 milhões. Pouco? Dá para duvidar. Para um país que não consegue prover educação básica de qualidade mínima para as suas crianças ou oportunidades iguais mínimas universais para seus cidadãos, saúde pública minimamente respeitosa, segurança pública e justiça em seu já vasto território, não parece pouco.
Na mesma semana, sem ganhar tanta atenção, o Ministério da Educação elevou o piso salarial dos professores brasileiros em jornada de 40 horas para R$ 1.451,00, valor que muitas prefeituras, por todo país, reclamam que não vão conseguir pagar a seus mestres. Oxalá algum dia, no Brasil, educação, saúde, justiça e segurança sejam também áreas consideradas estratégicas.
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