quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Um buraco negro político

Consequências da tragédia no Egito.

O pior ainda estava por vir. No fim de julho, quando Javier Solana publicou o artigo "The Middle East Turmoil Trap", no site do Project Syndicate, o tema ainda era o golpe militar contra o presidente Mohammed Morsi, deposto no dia 3. Ou seja, nada perto da brutal repressão contra os partidários de Morsi, em maior parte ligados à Irmandade Muçulmana, e o subsequente estado de emergência, em 14 de agosto.

Se os prognósticos de Solana no artigo já eram preocupantes, pode-se imaginar como não ficam depois da absurda violência perpetrada pelo governo egípcio contra os militantes islâmicos, que fez com que os problemas no Egito explodissem, de modo que seus efeitos serão sentidos muito além das fronteiras do país de 85 milhões de habitantes.

Com uma sociedade dilacerada no que diz respeito à legitimidade do poder político e uma economia em frangalhos, o comportamento do governo interino no Egito favorece o presidente sírio Bashar al-Asssad no conflito contra os rebeldes. Bashar al-Assad luta para manter sua ditadura secular e nacionalista, seguindo a linha do ex-presidente egípcio Hosni Mubarak (e do ex-presidente iraquiano Saddam Hussein).

Mubarak ficou 30 anos no poder no Cairo, entre 1981 e 2011. Nesse período, com o apoio maciço de Washington, levou à frente inúmeras táticas de repressão aos islâmicos no país, em especial à Irmandade, com a chancela dos governos na Casa Branca e um estado de emergência constante. Não à toa, islâmicos egípcios sempre estiveram na vanguarda do terrorismo internacional, inclusive com participação ativa de militantes e intelectuais radicais na al-Qaeda.

Um exemplo disso é Ayman al-Zawahiri, teólogo egípcio islâmico, líder da al-Qaeda, procurado pelos Estados Unidos. Por informações sobre ele, o Departamento de Estado americano oferece US$ 25 milhões. Al-Zawahiri segue, na verdade, uma longa tradição de pensadores islâmicos radicais, onde se inclui o fundador da Irmandade Muçulmana, Hassan-al Banna (1906-1949), discípulo do sírio Rashid Rida, que foi herdeiro espiritual de Mohammed ibn Abd al-Wahhab, o fundador do wahhabismo, seita na qual Osama bin Laden se formou na Arábia Saudita. Não será surpresa se a volta da repressão à Irmandade Muçulmana no Egito vier acompanhada de um recrudescimento do terrorismo global.

Da mesma forma, a situação no Egito também envolve, claro, as relações entre Israel e palestinos. Um dos grandes aliados da Irmandade Muçulmana é o Hamas, que tem forte presença na Faixa de Gaza, na fronteira egípcia. Assim, é pouco provável que o caos no Cairo não respingue sobre as primeiras negociações de paz entre Israel e palestinos nos últimos cinco anos, que ocorrem neste momento em Jerusalém.

A queda de Morsi retirou o apoio do Egito aos palestinos nas relações com Israel, mas, mesmo assim, é difícil achar que o governo israelense ganha com tamanha instabilidade nas suas fronteiras.

A divisão egípcia também afeta as monarquias tradicionais do Oriente Médio. Os governos de Arábia Saudita e Emirados Árabes, preocupados com o radicalismo islâmico interno, foram rápidos em dar apoio, inclusive financeiro, ao primeiro-ministro interino Hazem Beblawi, após o golpe de julho. Tal ajuda pode sair mais cara após a violência recente contra os islâmicos no Egito.

O novo presidente iraniano, Hassan Rouhani, é outro que sofre com a tensão. Suas sinalizações moderadas devem sofrer elevada resistência interna se forem vistas como deferência a quem indiretamente apóia e sempre apoiou a repressão aos islâmicos no Cairo.

Como se não bastasse, também a Turquia é afetada com a instabilidade no Nilo. Não à toa, o primeiro-ministro Recep Erdogan se pronunciou com rapidez sobre a violência no Egito, pedindo das partes cessar-fogo e negociações.

Com os problemas no Egito, o governo turco tem seus planos de liderança para a região atrapalhados. Ancara tem se proclamado como um modelo de convivência entre a democracia e o islamismo na região. Com o racha no Cairo, como o próprio Erdogan prevê em seu discurso, o relativo sucesso do modelo turco não deve escapar de novos questionamentos, internos e externos.

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