sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A política internacional e os levantes no mundo árabe

A Revolução de Jasmim na Tunísia, os levantes no Egito e outros protestos no chamado "mundo árabe" são o estopim de um modelo há muito esgotado e põem em xeque tanto a capacidade de povos majoritariamente islâmicos de viver em democracia quanto das grandes potências do ambiente internacional de aceitar os produtos políticos dessas sociedades.

A explosão do modelo já era esperada e mesmo que um ou outro regime consiga sobreviver aos levantes populares recentes, os governos não passarão sem reformas. O paradigma, oriundo da Guerra Fria e amplamente interligado aos atentados de 11 de Setembro, consiste do apoio direto americano a ditaduras que, por sua vez, ganharam a incumbência de reprimir movimentos radicais na região. Os casos clássicos são Egito e Arábia Saudita. O governo de Hosni Mubarak, há três décadas no poder, em nenhum momento esteve fora da lista dos que mais recebem ajuda financeira americana no mundo. Já esteve entre os três que mais recebiam, junto com Israel e Colômbia (Plano Colômbia), agora figura na nada modesta quarta posição, atrás de Israel, Paquistão ­– outro país que recentemente foi integrado ao perigoso modelo dos regimes árabes –, e Afeganistão.

Internamente, Hosni Mubarak teve como alvo a tradicional e muito influente Irmandade Muçulmana, organização islâmica extremamente popular em todo mundo muçulmano mas banida da política egípcia pelo ditador. Para se ter uma ideia da influência da Irmandade, basta percorrer a tradição do islamismo radical, amplamente apoiada nos escritos dos clérigos egípcios. O problema aqui é que se Mubarak conseguiu durante os últimos 30 anos manter a Irmandade Muçulmana longe do poder, o fez com o desgaste da sua imagem não somente entre os partidários da organização mas também entre a própria população, que não vê com bons olhos um governo que reprime movimentos islâmicos, ainda mais com o apoio de Washington. Ao mesmo tempo, como se não bastasse, o governo egípcio, com isso, alimentou um forte sentimento antiamericano.

No caso semelhante da Arábia Saudita, também tradicional aliado americano, a situação vai se refletir na ampla presença de nacionais do país no atentado ao World Trade Center. Dos 19 terroristas, 15 eram sauditas (e um era egípcio). Também em Riad, um governo com amplas relações com Washington não permite qualquer manifestação política fora de seu controle – e muitas vezes na Arábia Saudita, como no Egito, o termo "radical" é utilizado para evitar qualquer tipo de oposição ao regime oficial –, alimentando o ressentimento em relação à Casa de Saud, a família real. No chamado "mundo árabe", talvez seja possível ver revoluções democráticas de forte conotação antiamericana, o que, no mínimo, é bastante embaraçoso a qualquer ocupante da Casa Branca e à própria tradição política na América.
      
Ao mesmo tempo, a questão sobre a relação entre o Islã e a democracia, como regime político, não pode estar fora do debate. Nesse contexto, a situação particular que chama a atenção é a da Indonésia: o maior país muçulmano do mundo parece viver com uma democracia relativamente bem-sucedida, em um governo teoricamente secular (regido por leis laicas). O específico do caso é que a mentalidade islâmica indonésia, em geral, é tradicionalmente menos violenta e radical. Apesar de eventos como o famigerado atentado de 2002 em Bali, que causou a morte de 202 pessoas, os indonésios têm conseguido se manter longe da radicalização religiosa presente em boa parte dos países de maioria islâmica.

Nesse sentido, em jogo estará qual modelo de democracia a ser adotado após a consolidação dos movimentos de mudança de regime no "mundo árabe". Se a "democracia" de fachada e controlada persa-iraniana, em um Estado não-secular, ou seja, regido por leis religiosas, onde a liberdade de expressão e de oposição é reprimida e poucos não-eleitos regem a vida de muitos, gerando movimentos nacionalistas e populistas agressivos que impedem a convivência serena com o mundo, um dos pilares do islamismo, como religião. Ou a democracia secular indonésia que, apesar dos problemas, segue seu rumo na constituição de uma comunidade ao mesmo tempo ciente dos seus valores religiosos mas não-violenta com as perspectivas alheias.

Como se não bastasse, problemas de aceitação internacional tendem a aparecer após os supostos processos de democratização ainda em função do modelo político adotado. Com a radicalização gerada e os ressentimentos em jogo, não será surpresa se posições mais radicais conseguirem alçar o poder por meio do voto popular. Isso pode trazer instabilidade a outros governos árabes, alimentando o radicalismo nos contextos nacionais mais próximos, bem como questões de segurança para Israel. Ou seja, não somente há a possibilidade de se ter presente, no chamado "mundo árabe", processos de democratização com forte conotação antiamericana, como os próprios produtos políticos dessa dinâmica podem gerar novos desequilíbrios ao cenário estratégico do Oriente Médio. Como o Hamas ganhou as primeiras eleições democráticas na Palestina, por exemplo, grandes favoritos para pleitos semelhantes no Egito e na Arábia Saudita são a Irmandade Muçulmana e seguidores obtusos de Osama bin Laden. 

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