sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Aumentar o salário mínimo para quê?

Sob forte pressão do governo Dilma, a Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (16/02) o salário mínimo de R$ 545 para 2011. Com apoio de 100% dos votos do PMDB, a proposta foi aprovada por 376 votos a 106, no primeiro turno, e 361 a 120, no segundo. O valor foi aprovado pelo Senado na quarta-feira seguinte (23/02). Segundo a Folha, "trata-se do primeiro reajuste anual do mínimo abaixo da inflação desde 1997".

Por um lado, é de se louvar o cuidado do governo com relação à questão fiscal. Como repetiu o ministro Guido Mantega várias vezes, cada R$ 1 de aumento no salário mínimo equivale a quase R$ 300 milhões a mais nas contas públicas. "Se nós já começamos descumprindo os R$ 545, aí vão dizer: o governo vai flexibilizar outras despesas, e, portanto nós vamos ter um descontrole fiscal no país, e a inflação vai subir por causa do descontrole fiscal e de outras despesas", afirmou Mantega.

Por outro lado, na posição do governo escondem-se outras duas questões. A primeira delas é a ligação direta do salário mínimo com os benefícios públicos, que nenhum político, inclusive o governo, parece querer discutir. O problema coloca uma aberração a qualquer debate sobre o salário mínimo, dado que o valor seria ou deveria ser uma referência de mercado e não de benefício público. Nas contas da União, estão atrelados ao salário mínimo o seguro-desemprego, a Lei Orgânica de Assistência Social e a Previdência Social. 

A outra questão escondida demonstra a irresponsabilidade política com a qual vêm sendo tratadas as contas públicas no país. Uma pesquisa simples e rápida traz os números da tragédia, que se apresenta como um processo claro de dominação do Estado sobre a sociedade brasileira.

Entre 2003 e 2010, foram 154 mil contratações, e a despesa média por servidor do Poder Executivo passou de R$ 3.439 para R$ 6.914. Para servir a essa máquina, os gastos com terceirizados estouraram. As despesas com copa e cozinha cresceram 245%.

É verdade que boa parte das contratações foi feita na área de educação: algo em torno de 50 mil novos funcionários. No entanto, o aumento está relacionado à criação de universidades públicas e escolas técnicas. O ensino básico e fundamental, independentemente das responsabilidades federativas, continua não sendo prioridade, a não ser no discurso de campanha.

Outro grande aumento ocorreu na Advogacia Geral da União (AGU). Aqui, o quadro cresceu 334%, passando de 1.683 em 2002 para quase 8 mil funcionários em 2010. O salário inicial (dos advogados) da AGU é de 14 mil reais.

Os gastos previstos com o funcionalismo federal no Orçamento deste ano somam quase R$ 200 bilhões, valor que representa um acréscimo de quase 9% sobre o gasto efetivo da União com essa rubrica em 2010. Hoje, o país alcança a cifra de mais de 2 milhões de servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário - 1,114 milhão da ativa e 946,5 mil aposentados e pensionistas.

O aumento de 61,8% nos salários dos deputados e senadores custará aproximadamente R$ 2,2 bilhões ao ano, considerando o efeito em cascata nos legislativos estaduais e municipais. No caso do aumento do teto ser integralmente empregado pelas Assembléias Estaduais o impacto na folha de pagamento poderá ser de até R$ 128,7 milhões por ano. Já nas Câmaras Municipais, estima-se um impacto total de R$ 1,8 bilhão. No Congresso Nacional, a despesa anual poderá chegar a R$ 238 milhões e o impacto global na folha de pagamento de 2011 deverá ser ainda maior se incluídos os reajustes do Executivo e um futuro e provável aumento no já aberrantes salários do lento e ineficiente Poder Judiciário. Pelo menos 16 estados apressaram-se para colocar na pauta, antes do fim do ano, projetos que garantam a remuneração de cerca de R$ 20 mil para os deputados estaduais.

Como se não bastasse, dados de 2008 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que no governo passado se tornou órgão da Presidência, revelam uma diferença em média de 56% a favor dos vencimentos do setor público (todas as esferas do governo) em relação aos salários da iniciativa privada; esta diferença era de 33% em 1998.

Mesmo que o Ipea explique que a distorção se justifica pelo fato de que "no setor público brasileiro, o perfil dos ocupados segundo grau de instrução é muito melhor que no setor privado", que "o salário médio do setor público superava em 27% o salário médio do setor privado para os empregados com ensino médio completo" e "em 8% o salário médio do setor privado para os empregados com ensino fundamental completo"; além disso que "entre os empregados com nível superior, o salário médio do setor público superava o do setor privado em apenas 7%", fica a pergunta: o salário do setor público deve ser maior que o do mercado? Mesmo com todos os benefícios e a estabilidade que proporciona?

Em meio a isso tudo, o brasileiro paga hoje em imposto algo em torno de 40% do PIB, como espanhóis ou alemães, obtendo em troca uma terrível prestação de serviços públicos: educação básica gratuita e universal, saúde pública, acesso à justiça e segurança pública, por exemplo. Mas todo mundo está feliz e o ministro tem razão: aumentar o salário mínimo para quê?

Um comentário:

  1. Oi Arthur,

    O seu blog é ótimo, sempre com posts bem informados, agudos, sobre problemas fundamentais. Me chama atenção em relação ao salário mínimo a falta de discussão em relação ao seu efeito sobre o emprego. O governo é o maior pagador de salário minimo e este subiu cerca de 150% acima da inflação desde de 1994. Será que ele faz bem aos empregados do setor privado ou apenas àqueles que o recebem como transferência do setor público? Talvez devesse ser chamado de 'transferência mínima'... Mas é tabu no Brasil debater se, no setor privado, ele aumenta a renda ou o desemprego. A maior parte da evidência levantada nos EUA aponta para a segunda a hipótese, mas aqui debatê-la não faz parte do debate, apesar de 40% dos trabalhadores estarem na informalidade e metade dos que vivem no Nordeste terem renda menor do que o Mínimo. Abraços

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