quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A segunda Mona Lisa

Obra encontrada no Museu do Prado e lançada pela primeira vez na National Gallery foi pintada ao lado da original.

O Art Newspaper publicou (quarta-feira, 01/02), com exclusividade, que uma réplica da Mona Lisa foi encontrada no Museu do Prado. A peça, oriunda de uma coleção da corte espanhola, estava nos depósitos da instituição e tida como de pouca importância.

Após a restauração, que retirou o fundo preto em volta do retrato, foram achadas muitas semelhanças com a original exposta no Louvre. A fotomontagem abaixo feita pela BBC causa espanto. As luzes no rosto têm o mesmo contorno, o olhar é o mesmo, o cabelo, a luz no pescoço, a paisagem, a linha que estabelece a profundidade, o desenho da água.

Estudos sobre a idade da obra também mostraram que a pintura foi muito provavelmente feita no estúdio de Leonardo da Vinci e na mesma época da original, entre 1503 e 1506, segundo o Louvre. Os dois quadros têm mais ou menos a mesma medida, a Mona Lisa original, 77x53cm, a do Prado, 76x57cm. Oficialmente, o Prado e o Louvre reconhecem a obra como de um dos assistentes diretos de Leonardo da Vinci, muito provavelmente Andrea Salai ou Francesco Melzi.

O quadro traz contribuições importantes sobre a pintura e o personagem. Mostra, em primeiro lugar, uma Mona Lisa mais fiel ao que era na época, uma jovem radiante de 20 e poucos anos, coisa que o tempo tirou da versão consagrada. A pintura exposta no Louvre não sofre restaurações, devido ao risco elevado e sua fragilidade. No que diz respeito à técnica, a pintura ilumina estratégias e estudos de Da Vinci em seus portraits. A Mona Lisa do Prado está, neste momento, na National Gallery, em Londres.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A "longue durée" da crise na Europa

Em artigo publicado no jornal britânico The Guardian, o professor Timothy Garton Ash prevê um longo caminho de dificuldades para a União Européia. Na verdade, "uma jornada aterrorizante para se tornar um poder mundial menor".

Professor de Estudos Europeus da Universidade Oxford e autor publicado no mundo inteiro, inclusive no Brasil, pela Companhia das Letras, Timothy Garton Ash aponta pelo menos quatro desafios fundamentais à União Européia.

Em primeiro lugar, a questão mais imediata gira em torno da dificuldade dos governos europeus de ganhar novamente a confiança dos mercados. Para Garton Ash, o obstáculo pode ser medido pelo  último anúncio da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, e do presidente francês, Nicolas Sarkozy, de que salvariam mais uma vez o euro. A declaração conjunta foi na ocasião acompanhada do rebaixamento da nota da poderosa economia alemã pela agência Standard & Poor's.

O segundo problema levantado por Garton Ash diz respeito a que tipo de união fiscal, de ferramentas novas de intervenção do Banco Central Europeu e de garantias dadas pela Alemanha serão suficientes para acalmar os mercados. Em especial, o professor da Universidade Oxford lembra do embate entre a vagarosidade da política procedimental européia e a velocidade dos mercados integrados globalmente.

Um terceiro ponto colocado no contexto pergunta quais dos atuais Estados-membros estarão dispostos a fazer parte de uma suposta união fiscal européia mais rígida e que instituições garantirão tal comportamento por parte de unidades soberanas. O dilema está no coração da União Européia e põe frente à frente a soberania dos países e dos governos em seus territórios e os limites da supranacionalidade.

Para finalizar, Timothy Garton Ash apresenta um problema de filosofia política econômica. Para o autor, as economias européias só sairão da crise quando voltarem a crescer. No entanto, os incentivos para o crescimento vão no sentido contrário da ortodoxia pregada por Paris e, em especial, por Berlim. A última pergunta do autor é simples: "What if the anti-Keynesian policies demanded by Germany mean that significant parts of the eurozone do not return to growth?"

Segundo Garton Ash, o mundo pode se preparar para uma Europa menos unida novamente.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O dilema político do secularismo no Egito

Blog coordenado por Marina Ottaway no Carnegie Endowment For International Peace acompanha de perto o processo de transição política no Egito e faz um alerta: a democracia no país depende da disposição de seculares e islâmicos de trabalharem juntos.

Como afirma a última análise publicada no blog, "Egypt´s Election, Take One", os primeiros resultados das eleições egípcias para o Parlamento, após o fim da Era Mubarak, mostram que o Partido da Justiça e Liberdade, ligado ao antigo e tradicional movimento islâmico Irmandade Muçulmana, recebeu algo em torno de 40% a 45% dos votos e o Partido islâmico linha dura Salafi al-Nour, os chamados salafistas, de 20% a 25% dos votos. Mesmo que o pleito tenha sido realizado em apenas nove das 27 regiões eleitorais do país, diz o texto, os resultados das duas próximas rodadas, marcadas para meados de dezembro e de janeiro, não devem ser muito diferentes.

Com isso, a análise do Carnegie Endowment sugere que a chance de o governo egípcio ser dominado pelos islâmicos, incluindo a linha-dura dos salafistas, ou por uma aliança entre o Justiça e Liberdade e os partidos seculares vai depender da capacidade destes últimos e também dos militares de aceitar a força política da Irmandade Muçulmana no país.

Caso os militares e os partidos seculares tentem a confrontação direta, a probabilidade maior, segundo o Carnegie Endowment, é de uma reação conjunta dos islâmicos, com o apoio da militância organizada dos partidos, em especial do Justiça e Liberdade. A juventude ligada à Irmandade Muçulmana já demonstrou, nas últimas manifestações no Cairo, que sai às ruas quando chamada.

Caso os militares e os partidos seculares aceitem a posição de força do Justiça e Liberdade, há uma chance, segundo os especialistas do Carnegie, de se ter no país um governo mais estável e compartilhado. A hipótese é apresentada em outra análise do centro, intitulada "The Muslim Brotherhood's Democratic Dilemma".

Segundo o texto, a Irmandade Muçulmana vem historicamente adotando uma tática política cautelosa que inclusive se tornou paradigma para outros movimentos islâmicos no Oriente Médio. Durante o regime de Hosni Mubarak, tal estratégia foi bem representada no slogan: "Participação, não dominação". Em troca do direito de participar, os islâmicos garantiam aos poderes hegemônicos que não procurariam substituí-los, a fim de não provocar uma reação que pudesse atrapalhar o crescimento contínuo de sua influência política. Da mesma forma, não obter o controle político total abstém os movimentos islâmicos de ter que lidar com os problemas sérios econômicos e de segurança da região, com os desgastes vinculados às questões do desemprego e do relacionamento com Israel, por exemplo.

As exceções recentes a essa estratégia teriam ocorrido apenas na Argélia, em 1992, e na Palestina, em 2006, e em ambos os casos o resultado foi uma guerra civil. Desde as manifestações de 25 de janeiro, no Egito, a Irmandade Muçulmana, segundo o Carnegie Endowment, demonstrava que, pelo menos até as eleições, ainda não havia abandonado esse comportamento.

O problema aqui, no entanto, de forma contraditória, é o tamanho do sucesso eleitoral do Justiça e Liberdade no pleito recente, o que coloca os islâmicos em face da tentação de assumir o controle político que as urnas lhes provêm. Mesmo assim, a Presidência ainda estaria aberta, o que não é pouco em se tratando do regime presidencialista egípcio.

Nesse sentido, não há dúvidas, o futuro da democracia no Egito dependeria da capacidade de islâmicos, militares e seculares de aceitarem o jogo político e os atores em cena, evitando assim um processo generalizado de radicalização. Depois de décadas de repressão e violência por parte de uma ditadura financiada em Washington, sob a justificativa de não perder o Cairo para os movimentos islâmicos – afinal, o Egito de Hosni Mubarak chegou a compartilhar com Israel e Colômbia o rol dos três países que mais recebiam financiamento norte-americano no mundo –, o povo egípcio se vê hoje às voltas com uma questão tão fundamental quanto inevitável: sua própria identidade política.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O mundo de cabeça para baixo

Peter Faber, chefe do setor de Estratégia e Operacões do International Relations and Security Network (ISN), em Zurique, analisa em podcast as transformações nas relações internacionais contemporâneas. Segundo o especialista, o planeta vive hoje processos contraditórios de consolidação global da economia e multiplicação regional dos problemas de segurança.

O ISN lançou neste mês de novembro uma nova seção. Tradicionalmente voltado para questões correntes ligadas a eventos específicos das relações internacionais contemporâneas, o site agora passa a tratar também de temas mais estruturais, com foco especial em três campos: dos fatores que definem as relações internacionais e a segurança internacional, dos processos de transformação do poder e, finalmente, dos impactos que a dinâmica estrutural gera aos principais temas da política internacional contemporânea. Para inaugurar a nova seção, o ISN entrevistou Faber, ex-professor do US National War College e da Universidade George Washington. A entrevista foi transformada em um podcast intitulado "Structural Change in the International System".

Segundo Faber, o mundo vive hoje processos que geram uma situação complexa e contraditória. Por um lado, consolida-se uma dinâmica econômica global de proporções gigantescas. Por outro, multiplicam-se as questões regionais de segurança, envolvendo um número cada vez maior de nações. Para o especialista, esses processos tornam a vida do analista internacional muito mais complicada. Segundo ele, a multidimensionalidade das questões esvazia a capacidade de explicação e ordenamento da realidade dos modelos e das variáveis tradicionais e impõe a necessidade de uma reflexão voltada para as rupturas institucionais e ideológicas em campo.

Afinal, como afirma, a referência clássica das relações internacionais, a fronteira, base da geopolítica tradicional, se deteriorou em especial a partir do aparecimento do poder nuclear. Além disso, os centros da disputa decisória no plano internacional estão hoje dispostos, como afirma Joseph Nye, em um xadrez tridimensional, onde estão: 1) os Estados; 2) os atores não-governamentais e as instituições internacionais; e 3) as corporações, os movimentos de massa e os indivíduos. Para completar, Faber cita o trabalho de Philip Bobbitt, que aponta para a transformação do Estado-nação no "Estado-mercado", mais preocupado em promover e garantir o desenvolvimento econômico dos seus sujeitos, expandindo assim o conceito de segurança, do plano nacional e internacional para o humano (human security).

Nesse contexto, Peter Faber alerta para uma mudança na definição do poder. Segundo o especialista, no lugar da tradicional noção calcada nas vantagens materiais, o poder tende hoje a ser definido muito mais pela capacidade de se lidar com as falhas e os problemas que surgem nas redes multidimensionais constituidoras das relações econômicas e políticas do contexto global contemporâneo.

Não à toa, as revoluções tecnológicas recentes têm, para Faber, um papel essencial nessa configuração. Segundo ele, a natureza dos conflitos se transformou dos velhos embates materiais para as "guerras narrativas". Qual a narrativa dominante? Qual a mais convincente? O gerenciamento das percepções e, por conseguinte, a questão da legitimidade são, para o especialista, as arenas fundamentais dos conflitos contemporâneos. Nesse sentido, a política de identidade se fortalece, se desterritorializa e se torna motor de engajamento e revoluções, como nas manifestações recentes no Oriente Médio, na Europa e nos Estados Unidos.

Ouça aqui a entrevista de Peter Faber.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Pensadora da crise e de um novo início

Lançado no último dia 22, no Rio de Janeiro, o novo livro de Eduardo Jardim, Hannah Arendt: pensadora da crise e de um novo início, é uma ótima introdução à filosofia de Hannah Arendt, em especial aquela dedicada à política. A obra estabelece um diálogo fundamental entre os escritos da pensadora alemã, a sua vida e o contexto histórico ao redor e é dividida em três partes.

A primeira trata do pensamento de Hannah Arendt sobre as terríveis experiências políticas dos regimes totalitários do século XX. Com base no clássico As origens do totalistarismo, publicado pela primeira vez em 1951, Eduardo Jardim ressalta a noção arendtiana de ruptura. Segundo escreveu o autor, Hannah Arendt mostra em sua pesquisa sobre o totalitarismo que "a situação política na Alemanha de Hitler e na União Soviética de Stalin foi condicionada pela ruína das instituições políticas tradicionais que sustentavam a autoridade política" (p.10). Dessa forma, para a pensadora, "os movimentos totalitários tiveram sucesso porque, como verdadeiros oportunistas, souberam tirar proveito do vazio deixado pela falência da autoridade política" (p.10). Nesse contexto estão temas-chave abordados por Hannah Arendt como a questão da alienação moderna, o problema da consolidação dos "critérios instrumentais" e o uso da solidão pelos regimes totalitários.

Na segunda parte, Eduardo Jardim ressalta a própria visão de Hannah Arendt sobre o que é a política. Nessa seção, o autor ressalta a experiência arendtiana de refletir sobre "o sentido da política", em um momento em que os "horrores do regime nazista e estalinista eram vistos como o resultado da hiperinflação do âmbito político, que motivara a invasão e até a supressão de todas as demais esferas da vida" (p.68). Como escreveu o professor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio, "Hannah Arendt reconhecia que, neste ambiente, a pergunta sobre o sentido da política era formulada de forma muito mais radical e num tom muito mais desesperado do que em outras épocas" (p.69).

Pois Hannah Arendt acreditava que a política tem um sentido, e este sentido seria a liberdade. Não a liberdade negativa do liberalismo que associa a política ao Estado e, assim, procura formas de proteger a liberdade da política. Não a liberdade positiva associada a Marx e Rousseau que vê a política como um instrumento de libertação dos homens na direção da sua plena realização. Mas uma noção de liberdade, vinculada à concepção aristotélica, como "um exercício dos homens em interação, que ocorre quando eles se encontram em posição de igualdade, realizado geralmente em forma discursiva, tendo por pressuposto a demarcação de um ambiente - para os gregos, a pólis" (p.78).

Ainda na segunda parte, Eduardo Jardim trata da teoria da ação de Hannah Arendt. Nesse sentido, o autor apresenta o contraste estabelecido por Hannah Arendt entre o fazer e o agir, "entre o modo de ser previsível do fazer e a imprevisibilidade, até o ponto do milagre, da ação", entre "o modo de intervenção do fazer produtivo", a instrumentalidade do fazer, e o "poder inaugural de inciar processos, característico do agir" (p.85).

Finalmente, na terceira parte, Eduardo Jardim aborda os últimos escritos da pensadora, onde Hannah Arendt estabelece um sentido político para a atividade intelectual, relacionando as atividades do espírito do pensar e do julgar com a ação política.

Apesar do caráter introdutório e da linguagem acessível, Hannah Arendt: pensadora da crise e de um novo início não peca pela superficialidade, mas traz uma reflexão profunda e importante sobre a política. Em meio aos preconceitos alimentados pela corrupção e a instrumentalidade dos objetivos de acesso ao consumo e ao mercado, o lançamento não poderia ser mais adequado.

Leia também neste blog sobre o I Colóquio de Comunicação e Política, "Ficção científica, literatura e a filosofia política de Hannah Arendt", realizado na PUC-Rio, e "Um diálogo entre Hannah Arendt e George Orwell".

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Limpando a sujeira dos homens

Artigo encomendado pelo site openDemocracy, sobre o primeiro ano da Presidência Dilma Rousseff, contrapõe o trabalho feminino ao mau comportamento masculino no governo.

Por um lado, impossível não comentar sobre a queda de cinco ministros em casos de corrupção, sem contar com as acusações mais recentes contra o ministro do Trabalho Carlos Lupi. Além disso, há também o episódio deselegante de Nelson Jobim que, quando ministro da Defesa, criticou publicamente as nomeações de Ideli Salvatti e Gleise Hoffmann.

Também não se pode fugir ao fato de que há uma certa continuidade nos escândalos de corrupção que vem desde o governo Lula. Afinal, Orlando Silva foi nomeado em abril de 2006; Wagner Rossi, em abril de 2010; Alfredo Nascimento serviu entre 2007 e março de 2010 e voltou em janeiro de 2011, com Dilma; e Carlos Lupi está no governo desde março de 2007, o início do segundo mandato de Lula.

Ao mesmo tempo, Dilma Rousseff tenta seguir em frente com a agenda social de Lula. Ela iniciou seu mandato com um aumento de quase 20%, em média, no Bolsa Família, que beneficia já mais de 50 milhões de pessoas, em um país onde, segundo os últimos dados do IBGE, os 10% mais ricos detêm mais de 40% da renda nacional e metade da população vive com menos de 400 reais por mês.

Em junho, Dilma Rousseff lançou também o programa "Brasil sem miséria", que envolve oito ministérios e tem o objetivo de tirar 16 milhões de brasileiros da pobreza extrema, ou seja, de uma vida com menos de 70 reais por mês. O projeto inclui o Bolsa Família, um programa específico para compra de alimentos, um plano de capacitação técnica e profissional e o Bolsa Verde, que fornece incentivos financeiros a famílias muito pobres que desenvolvam práticas de conservação em áreas de proteção ambiental.

Nesse contexto, não são à toa as grandes expectativas em torno da reforma ministerial que Dilma promete para janeiro.

Veja o texto no openDemocracy.