sexta-feira, 7 de março de 2014

A crise na Venezuela

Imbróglio pressiona instituições e ameaça estabilidade política na região.

Em meio ao acirramento da situação na Venezuela, o instituto Wilson Center, em Washington, convidou quatro especialistas para debater qual deve ser o papel de institutições internacionais e nações como o Brasil ou os Estados Unidos na crise venezuelana. Foram chamados para a discussão "The Crisis in Venezuela: What Role for the International Community": o diretor do Departamento de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Di Tella, em Buenos Aires, Juan Tokatlian; o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza; o ex-diplomata americano Philip French; e o analista brasileiro Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute, no Wilson Center. Os quatro, em geral, buscam diagnósticos e soluções para a sobrevivência das institutições venezuelanas em meio à polarização que, radicalizada, pode gerar efeitos políticos a todo o continente.

Para Tokatlian, a principal preocupação da comunidade internacional hoje com relação à Venezuela deve ser a prevenção de qualquer forma de autoritarismo de esquerda ou direita no país. Segundo ele, a radicalização do contexto venezuelano pode produzir caos social ou mesmo uma guerra civil, transformando-se em um foco de instabilidade com grande potencial de polarizar as políticas internas dos países da região – no caso brasileiro, um elemento a mais no já conturbado momento de Copa do Mundo, eleições e manifestações pelo país.

Ainda segundo Tokatlian, não há no continente uma instituição internacional com legitimidade para mediar os conflitos políticos na Venezuela, seja a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), da qual Estados Unidos e Canadá não fazem parte, a Organização dos Estados Americanos (OEA), da qual Cuba não faz parte, ou a União das Nações Sul Americanas (Unasul), que é vista pela oposição venezuelana como pró-chavista.

Dessa forma, para o professor, uma saída seria a promoção de negociações por um grupo formado por Estados Unidos, México, Colômbia, Brasil, Argentina, Bolívia e Cuba. No entanto, o próprio analista desacredita a viabilidade da reunião de um espectro tão divergente de nações.

O secretário-geral da OEA, o chileno José Miguel Insulza, faz um pronunciamento político. Prega a necessidade do diálogo e condena a violência como estratégia. Em seu texto, o ponto principal talvez seja afirmar que a Venezuela tem "um governo eleito democraticamente, com um significativo e visível apoio popular". Apesar da divisão, argumenta Insulza, "tais são fatos indisputáveis". Além disso, o secretário-geral demonstra não acreditar que a crise possa ser resolvida com intervenção externa: "The crisis will not be resolved from the outside", afirma.

O ex-diplomata americano Philip French também lembrou que "muitos venezuelanos apoiam o presidente Nicolás Maduro". Afinal, escreve o analista, foram a corrupção e uma maioria pobre e ignorada pela elite tradicional venezuelana durante décadas que levaram Chávez ao poder 15 anos atrás. Segundo French, os governos Chávez e Maduro desperdiçam há anos, de forma flagrante e até "criminosa", um capital político sem precedentes na Venezuela e os enormes recursos advindos da exploração de petróleo no país. Entretanto, apesar da inflação recorde, da insegurança e da escassez de produtos, algo em torno de metade dos venezuelanos apoiam o governo atual, a julgar pelas pesquisas e os resultados das eleições municipais e estaduais de dezembro de 2013.

Nesse contexto, segundo French, os Estados Unidos devem continuar a condenar a violência e os abusos aos direitos humanos na Venezuela e pressionar aqueles que têm feito vista grossa ao que acontece em Caracas, "como o Brasil e a OEA", afirma. No entanto, o ex-diplomata americano argumenta que qualquer retórica ou ação de Washington na crise venezuelana deve reconhecer o ressentimento legítimo das massas por trás de Hugo Chávez e Nicolás Maduro em relação às elites no país. Para French, qualquer que seja o próximo governo venezuelano, este terá que respeitar igualmente as aspirações chavistas e da oposição.

Por fim, o analista brasileiro Paulo Sotero lembrou das atuações passadas de Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva em crises na região, que poderiam servir de inspiração a Dilma Rousseff em como tratar do imbróglio vizinho. Em 2002, no último ano do segundo mandato, FHC denunciou a tentativa de golpe contra o então presidente Hugo Chávez como uma violação da cláusula democrática inter-americana, assinada em Lima em 11 de setembro de 2001.

No início de 2003, Lula liderou a criação do "Grupo de Amigos" da Venezuela e, em 2008, o então presidente agiu decisivamente para apaziguar uma crise interna na Bolívia, minando a estratégia de confrontação levada à frente por Hugo Chávez. Para Paulo Sotero, a atual crise venezuelana requer do Brasil a articulação de uma resposta coletiva no âmbito da Unasul.

Ao fundo das quatro posições está o alerta de que é preciso manter de pé as instituições políticas venezuelanas. Uma opção nesse sentido que vem sendo levantada, como bem lembra Sotero, é a proposta pelo governador do estado de Miranda Henrique Capriles. Derrotado por pouco nas presidenciais do ano passado, Capriles aposta no recall eleitoral de meio de mandato, previsto pela Constituição venezuelana.

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