sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Entre o pragmatismo e os valores democráticos

Mais uma polêmica ronda o tratamento dado pela diplomacia brasileira a regimes duvidosos que habitam o cenário político internacional. Depois das questões envolvendo o Brasil e o regime iraniano, Brasília e o ditador líbio Muammar al-Gaddafi, durante a Presidência Lula, que tirou mais de uma foto de braços dados com Gaddafi, agora o Itamaraty sofre pressões e críticas internas e externas em função da posição brasileira no Conselho de Segurança sobre a Síria e o regime criminoso de Bashar al-Assad. Entre o realismo pragmático – que pede cautela e calcula os custos e benefícios da movimentação nesse terreno, em função do objetivo de aumento da influência nacional na governância internacional – e a defesa intransigente e puramente ideológica de valores democráticos na comunidade global, só quem sai perdendo é a credibilidade do país.

Junto com Índia e África do Sul, o Brasil defende a idéia de que o Conselho de Segurança dê mais tempo a Assad para que ele possa implementar reformas democráticas. Os três países enviaram recentemente uma delegação conjunta a Damasco e não endossaram as pressões de Estados Unidos, França e Inglaterra para que Assad deixe o poder ou para que o Conselho de Segurança tome medidas mais duras, como implementar sanções contra o regime sírio. O alto comissariado de Direitos Humanos da ONU afirma que os ataques à população síria podem ser considerados crimes contra a humanidade e mais de duas mil pessoas morreram desde que os levantes contra o regime começaram, por volta de meados de março.

A posição brasileira está correta no que diz respeito à questão das sanções ou de outros instrumentos de coerção que partem do Conselho de Segurança da ONU. Esses instrumentos são cercados de polêmicas quanto aos seus resultados. Uma boa parte da literatura sobre as sanções, por exemplo, afirma categoricamente que, no fim, quem sofre mesmo com elas é a população e não os regimes visados. Além disso, historicamente, as intervenções militares externas não têm se mostrado eficazes na proteção de civis e na garantia de estabilidade política e social futura. Este é ainda um terreno pantanoso das relações internacionais contemporâneas e toda cautela aqui é bem-vinda dado os resultados violentos que qualquer medida equivocada pode causar – a única exceção parece ser as Zonas de Exclusão Aérea (ZEAs), que têm funcionado na proteção de populações visadas por regimes opressores, como foi no Iraque e no caso recente da Líbia.

A posição brasileira também está correta de não endossar cegamente a defesa dos valores democráticos levada à frente pelas potências tradicionais. Trata-se de um discurso desgastado e repleto de incoerências históricas. Uma liderança emergente que aspira um posicionamento livre desses problemas faz bem em se manter distante também desse tipo de ação conjunta.

No entanto, a diplomacia brasileira erra feio e denigre a credibilidade do país ao não conseguir implementar uma ação imaginativa que possa escapar das amarras do pragmatismo calculista e das incoerências do discurso das grandes potências. Uma saída, por exemplo, poderia ser manter a posição cautelosa com relação a intervenções externas, que sempre foi uma característica da diplomacia brasileira, sem a implementação de alianças políticas, ao menos para esses casos específicos. A cautela, ainda, deveria ser acompanhada de forte discurso independente em prol dos valores democráticos reconhecendo inclusive, sempre nesses casos, acertos e déficits da própria democracia brasileira. Com isso, o país deixaria claro que não se aproveita dessas situações do cenário externo para implementar cálculos frios de aumento relativo de poder e reforçaria seu soft power no plano internacional, aproveitando inclusive a ocasião para debater sua própria democracia, o que nunca faz mal a ninguém. 

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