quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O legado da Crise dos Mísseis

Cinquenta anos depois do momento mais tenso da Guerra Fria, especialistas discutem as lições tiradas do episódio.

Momento mais tenso da Guerra Fria, a Crise dos Mísseis completou 50 anos este mês, outubro de 2012. Dada a importância dos eventos ocorridos em 1962, que quase levaram o mundo a uma III Guerra Mundial, com o possível uso de armas nucleares, a revista Foreign Affairs convidou o professor Graham Allison, especialista no tema da JFK School of Government da Universidade Harvard, autor de obra clássica sobre o assunto (Essence of Decision: Explaining the Cuban Missile Crisis), para escrever um artigo sobre as lições que o episódio poderia trazer à política externa americana, em especial em relação a temas atuais como a proliferação nuclear no Irã e na Coréia do Norte.

Allison é claro em afirmar no texto que o governo Kennedy, a seu ver, pôde evitar a guerra nuclear e se sair bem da Crise dos Mísseis graças a uma combinação de ameaças reais com incentivos à negociação diplomática entre Washington e Moscou. Como conta o autor, o Comitê Executivo do Conselho de Segurança Nacional, reunido por John F. Kennedy após a descoberta das armas na ilha, deu, depois de uma semana de deliberação secreta, duas opções ao presidente no sábado, 27 de outubro de 1962: atacar Cuba ou aceitar a presença dos mísseis na região.

Segundo o especialista, Kennedy rejeitou as duas propostas e, junto com seu irmão Robert Kennedy, o presidente pouco a pouco construiu uma estratégia que incluiu um compromisso público dos Estados Unidos de não invadir Cuba, uma oferta secreta de retirar, seis meses depois do fim da crise, os mísseis americanos instalados na Turquia e um ultimato ao secretário-geral Nikita Khrushchev de atacar Havana em 24 horas caso o governo soviético não aceitasse a proposta.

Allison, no entanto, chama a atenção para os desenvolvimentos militares nos Estados Unidos ao longo dos 13 dias do episódio. O governo Kennedy, conta o autor, elevou o status de alerta nuclear entre as tropas para DEFCON 2, apenas um nível acima do estado mais grave (DEFCON 1). Da mesma forma, bombardeiros da Aliança Militar do Ocidente (Otan) na Turquia foram carregados com armas nucleares e os pilotos colocados prontos para levantar voo e atacar Moscou, se necessário.

"Kennedy decidiu que era preciso aumentar o risco de guerra no curto prazo de modo a diminuí-lo no longo prazo", escreveu Allison na Foreign Affairs. "Ele estava pensando não somente em Cuba mas no próximo problema, muito provavelmente Berlim".

Segundo o especialista, um possível sucesso soviético na Crise dos Mísseis poderia levar Moscou a avançar também sobre a parte ocidental da cidade alemã, o que levaria Washington a escolher entre o domínio soviético de Berlim ou a guerra nuclear. Para o autor, foi exatamente a demonstração de força, combinada com a abertura de canais diplomáticos, que pôde salvar os Estados Unidos e o mundo da desgraça.

A partir dessa conclusão, Allison faz um paralelo da Crise dos Mísseis com a tensão atual entre Washington e Teerã sobre o programa nuclear iraniano. Segundo o professor, o embate é como "uma Crise dos Mísseis em câmera lenta" e os desenvolvimentos parecem levar a Casa Branca novamente a um impasse entre um ataque militar ou a aceitação de um Irã nuclearizado.

Nesse contexto, para o autor, a melhor opção seria, a lá Kennedy, algum tipo de terceira via, que incluísse uma combinação de impedimentos ao programa nuclear iraniano que retardasse ao máximo o desenvolvimento de uma bomba atômica, a implementação de mecanismos de transparência que evitassem o descumprimento dos acordos feitos, uma série de ameaças militares claras a Teerã, utilizando até mesmo canais secretos para tanto, e uma promessa de não atacar caso os iranianos desistam da ideia.

Da mesma forma, Allison cobra ameaças mais sinceras ao programa nuclear norte-coreano e até mesmo à política econômica chinesa. "Se os Estados Unidos em nenhuma circunstância estão dispostos a correr o risco de um conflito comercial com a China, por que os chineses deixariam de desvalorizar sua moeda, subsidiar sua produção, proteger seus mercados e não respeitar a propriedade intelectual americana?", pergunta o professor.

Para James A. Nathan, no entanto, autor de Anatomy of the Cuban Missile Crisis, Allison dá importância excessiva às ameaças militares no desfecho da Crise dos Mísseis. Em texto também publicado na Foreign Affairs, Nathan afirma que a peça central da estratégia de Kennedy foi o acordo sobre os mísseis na Turquia. Para o autor, inclusive, é exatamente a redução da importância deste acordo na solução da crise que teria alimentado, desde então, toda uma tradição de pensamento na política externa americana que privilegia a força em detrimento da diplomacia. Em resposta, Allison afirmou que somente a diplomacia não teria dado resultado. Sem a ameaça da força, os soviéticos não teriam porque aceitar o acordo.

De longe, o debate parece tão importante quanto complexo. Allison, por exemplo, ainda ressalta também a influência da política interna americana em crises deste tipo, quando uma percepção de fraqueza pelo público interno pode ser fatal politicamente para os agentes envolvidos em campo.

No entanto, em contraste com a complexidade das questões está (mais uma vez) a limitação da linguagem política da discussão. Allison, de fato, praticamente reproduz a antiga noção, popular nos Estados Unidos, de que a política externa se resume a uma alternância entre "carrots" and "sticks", onde as "cenouras" atuariam como incentivo ao bom comportamento dos países e os "porretes", como desincentivo ao mau comportamento. Preso a uma linguagem política tão limitada quanto a do "carrots and sticks", ou mesmo às dicotomias populares nos Estados Unidos como "liberais x conservadores", "doves x hawks" ("pombos", mais dispostos a negociar, e "gaviões", mais dispostos a brigar), o debate, bem como a prática, não pode ir muito longe. Afinal, o Irã é mesmo uma ameaça?

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