sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O eleitor ausente

Queda do comparecimento eleitoral nos regimes democráticos é mais uma expressão do descolamento entre a sociedade e o sistema político.

É mais ou menos generalizada a tendência de queda do comparecimento eleitoral nos regimes democráticos contemporâneos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o comparecimento às eleições presidenciais oscilou entre 58% e 63% da população apta a votar entre 1952 e 1968, quando se inicia, a partir daí, uma curva descendente até o mínimo de 47% em 1996. Até 1986, na Holanda, o comparecimento eleitoral raramente esteve abaixo dos 80%, novamente entre os aptos a votar. Em 1998, ficou próximo dos 70%.

No caso brasileiro e sul-americano, em geral, o tema deve ser relativizado para o contexto do voto obrigatório. Afinal, quando se discute “ausência de eleitores”, deve-se distinguir se o sistema é de voto obrigatório ou facultativo. Nesse sentido, alguns estudos sugerem que países com voto facultativo têm índices maiores de abstenção, outros chegam a afirmar que o voto obrigatório aumenta o comparecimento numa proporção que vai de 25 a 50 pontos percentuais, a depender da análise. Sobre esse ponto, por exemplo, um caso citado com recorrência é o da Venezuela, que modificou sua legislação eleitoral em 1993, eliminando as penalidades previstas para os faltosos. Após a mudança na lei, a média de 90% de comparecimento caiu para níveis próximos a 60%.

Na Argentina, onde, como no Brasil, o voto é obrigatório, as taxas de comparecimento foram altas em boa parte do século XX, atingindo o índice recorde de mais de 90% em 1958. No entanto, nos anos 1980, após a redemocratização, percebe-se claramente uma tendência de queda: 85,6%, em 1983, na eleição de Raúl Alfonsín; 85,6%, em 1989, na primeira eleição de Carlos Menem; 81,2%, em 1995, na reeleição de Menem e 80,4%, em 1999, na vitória de Fernando De la Rúa.

No caso do Brasil, a questão da “ausência eleitoral” ainda apresenta algumas nuances. Afinal, enquanto a maior parte da população acima de 18 anos deve se alistar obrigatoriamente, aqueles entre 16 e 18 anos e os analfabetos (ou 20% da população, segundo o Censo 2000) têm direito facultativo não somente ao voto quanto ao próprio alistamento eleitoral. No caso específico dos jovens entre 16 e 18 anos, por exemplo, a faixa etária compôs 4% do eleitorado em 1989, quando pôde participar pela primeira vez de uma eleição, e apenas 1,78% em 1998. Em 2008, após uma intensa campanha da Justiça Eleitoral, voltada especialmente para o alistamento eleitoral deste público, os jovens entre 16 e 18 anos passaram então a somar 2,51% do eleitorado nacional. Além desses complicadores, há também o caso dos maiores de 70 anos que, apesar de aptos, exercem a prerrogativa do comparecimento facultativo.

Nesse sentido, alguns autores se utilizam do conceito de “alheamento decisório eleitoral”. O termo engloba todas as formas que o cidadão possui de recusa, seja por meio da abstenção, do não-alistamento eleitoral, quando permitido, e mesmo do voto nulo e branco. Com isso, percebe-se que nas eleições gerais de 1998, por exemplo, apenas 78,5% dos eleitores registrados compareceram. Dos votos contados para presidente, 8% foram em branco e 10% foram anulados e cerca de 10% da população apta a se alistar assim não o fez. No final das contas, por esta perspectiva, quase 50% dos brasileiros e brasileiras em idade de votar desprezaram o direito de escolher o presidente da República em 1998.

No Brasil, ao menos, o ideal é distinguir entre dois tipos de abstenção, a “técnica” e a “real”. Enquanto a primeira tem a intenção de verificar quantos não comparecem às urnas, dentre aqueles que estavam aptos a votar, a segunda verifica a ausência em relação ao conjunto total de possíveis votantes – o “eleitorado potencial”. Dessa forma, fica claro que o índice técnico tende a ser sempre menor, dado que indivíduos alistáveis que não se registraram colaboram para a sua subavaliação.

De qualquer modo, é possível identificar uma queda expressiva da participação popular, mesmo medida pelo índice técnico, nas eleições presidenciais brasileiras: 85,6%, no segundo turno em 1989; 82,3%, em 1994; e apenas 78,5% em 1998. Nos pleitos seguintes, os números praticamente se repetem. No segundo turno das eleições de 2002 para presidente, por exemplo, houve uma abstenção técnica de mais de 20%, quase 2% de votos em branco e aproximadamente 4% de votos anulados. Nas presidenciais de 2006, a abstenção técnica foi novamente em torno dos 20%, com quase 5% de votos anulados. Em 2010, no segundo turno, o Tribunal Superior Eleitoral registrou uma abstenção técnica em torno de 21% (comparecimento de 78,5% dos registrados), com 2,3% de votos em branco e 4,4% de votos anulados.

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