sábado, 5 de junho de 2010

O Espelho de Avatar

Não à toa, Pandora, o planeta de Avatar, é também a primeira mulher da mitologia grega. O nome embute uma qualidade feminina à natureza e provém de duas ideias: de “reunião” e de “dom” ou “presente”. Na mitologia, cada um dos deuses gregos contribuiu com uma característica específica, presenteada à Pandora, algumas inclusive sedutoras.

Em Pandora, habita uma população de humanóides, os Na’vi. Para a ocupação militar terráquea, trata-se de uma raça chegada a arcos e flechas e que vive "em meio a um gás tóxico que faz seu coração parar em um minuto". Na presença da mulher-natureza e do outro, os ocupantes de Pandora vivem e trabalham "em estado de ameaça permanente". Pandora “é o mais hostil ambiente conhecido pelo homem”.

A dificuldade de lidar com o "outro", em especial se o outro for feminino, representa um estado de insegurança permanente. Nesse contexto, nada mais propício do que se refugiar na técnica, chamar os cientistas à Pandora, com o objetivo de conquistar “corações e mentes” da população local. Ninguém se importa, mas a filosofia do programa espelha uma autoparanóia: se você se parecer com eles, falar como eles, eles confiarão em você. Se o mundo sou eu, não tenho inimigos. “Nós construímos escolas. Demos a eles estradas e medicamentos”.

No que diz respeito à sacralidade, Avatar reproduz a democratização protestante do sagrado. Afinal, qualquer um pode ser o escolhido. Não importa se negro, deficiente ou judeu. No entanto, são brancos os espíritos que abençoam, os espíritos mais puros. A sacralidade é branca. Brancas são as sementes da árvore sagrada.

Da mesma forma, o escolhido não surge para pregar, mas para ouvir. "Por que veio até nós? Vim para aprender", diz aquele que vive sonhando (dreamwalker). Vazio de conhecimento e de cultura, ou seja, no seu "estado de natureza" rousseauniano, ele está mais apto a entender o outro. Somente assim seria capaz de tal façanha. Não estaria tomado pelo medo. Os outros que se escondam na cidade sob a colina.

Para que um time de guerreiros possa acessar uma reserva gigantesca de Unobtainium, o material “inobtível”, os Na'vi terão que se mover.

O escolhido então, como Cristo, acaba condenado pelos seus pares, tornando-se traidor de sua raça. "Os Na’vi não vão abandonar suas casas", diz o traidor. "Não vão fazer qualquer acordo. Em troca do quê? Cerveja e shopping center?"

Ainda mais peculiar é que, antes da salvação, o "traidor" é crucificado. Ao ressucitar, luta contra o demônio red neck que põe abaixo uma árvore, como as torres no 11 de Setembro; seu adversário foi quem deu luz verde ao Massacre de Shabila.

No laboratório, cientistas e gerentes assistem a tudo, como um Big Brother. Na guerra das estrelas, a da morte não pode destruir a floresta das almas. Afinal, a grande-mãe não toma partido, apenas protege a dinâmica da vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário