segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O nacional e o regional da violência no Rio

O testemunho "Assessing U.S. Drug Policy in the Americas" feito pelo vice-presidente do International Crisis Group (ICG), Mark Schneider, no último dia 15 de outubro, no Congresso americano, aponta para dois pontos fundamentais do combate ao tráfico de drogas e da violência que são pouco explorados no debate brasileiro sobre a situação do Rio de Janeiro: a perspectiva regional (e por isso também nacional) do problema e o "efeito mercúrio" gerado pela política de repressão simples e tacanha.

Apesar dos esforços do Plano Colômbia, de Bill Clinton, e da Iniciativa Contra as Drogas nos Andes, de George W. Bush, Schneider citou o último relatório do Departamento da Casa Branca para a Política Nacional de Controle das Drogas (ONDCP, na sigla em inglês) para mostrar que a produção de cocaína nos Andes se mantém firme e forte, inclusive crescendo. De fato, o ONDCP afirma que, em 2007, foi produzida uma quantidade recorde de folhas de coca na região, a maior dos últimos 20 anos. Com isso, foram produzidas, no ano passado, na Colômbia, Bolívia e no Peru, 865 toneladas de cocaína. Ao mesmo tempo, a estimativa de hectares utilizados para o plantio ultrapassou os 230 mil - eram 166 mil em 2004.

Na verdade, Schneider mostrou que, ao longo do tempo, variaram muito pouco os níveis acumulados de cultivo e produção de cocaína nos Andes. Desde os anos 1980, a única mudança efetiva que se percebe é o deslocamento da produção do Peru e da Bolívia para a Colômbia, nos anos 1990.


No total produzido na região, pode-se perceber a mesma dinâmica, de baixa variação.

De fato, os esforços envolvidos conseguiram produzir apenas pequenas mudanças na produção e no transporte. No que diz respeito à produção, o cultivo tem se deslocado para áreas mais remotas, causando desflorestamento. Além disso, tem se posicionado de forma mais dispersa. Em 1999, 12 dos 34 departamentos colombianos estavam envolvidos com a produção de cocaína. Em 2008, o número passou para 25.

As políticas americanas, segundo Schneider, produziram uma mudança também no transporte, agora deslocado para países que antes não faziam parte da rota. Segundo argumenta o vice-presidente do ICG, o desmonte dos cartéis colombianos nos anos 1990 fortaleceu as organizações traficantes mexicanas, que hoje controlam 90% da entrada de cocaína nos Estados Unidos. Mas as pressões recentes implementadas pelo Iniciativa Mérida, também conhecida como Plano México, forçaram os traficantes a buscar rotas alternativas na América Central e no Caribe, passando pela Venezuela.

Dessa forma, no ano passado, 65% dos carregamentos de cocaína que deixaram os Andes rumo aos Estados Unidos passaram primeiro pela América Central, em especial pela Guatemala. Não por acaso, o número de homicídios nesse país em 2008 chegou a 6200, bem próximo do índice mexicano.

Isso é o que os especialistas chamam de "efeito mercúrio", em analogia ao fato de que o mercúrio líquido se decompõe em várias partes quando pressionado. "Pressões diretas sobre Colômbia e México apenas dispersaram o cultivo e o transporte de drogas para os Estados Unidos", afirmou Schneider.

Do depoimento, podem ser tiradas algumas conclusões sobre a situação no Rio de Janeiro. A primeira é a de que a repressão pura e simples não funciona, e há quase que um consenso científico (não político) em torno dessa idéia. O combate puro e simples gera um conflito de custos altíssimos para a sociedade e as instituições. É necessário, na verdade, como afirma Schneider, reforçar as instituições para que a lei seja de fato cumprida. Esse reforço deve estar acompanhado de investimentos na geração de emprego e oportunidades aos envolvidos na produção e no tráfico, bem como no tratamento médico dos usuários locais.

A segunda conclusão é que o tema não pode ser tratado de forma localizada, mas regional e nacionalmente. A repressão no Rio de Janeiro pode gerar um "efeito mercúrio" e disseminar o tráfico pelo país. Além disso, mais de 800 toneladas de cocaína são produzidas anualmente ao lado de nossas fronteiras, por 230 mil hectares plantados nos vizinhos Colômbia, Peru e Bolívia. O deslocamento dessa produção para a Europa e os Estados Unidos é uma enorme e lucrativa possibilidade de negócio que invade a fronteira brasileira. Além disso, o próprio mercado brasileiro pode se tornar crescentemente promissor com o aumento da renda interna.

Não à toa, há indícios, por exemplo, de que o Mato Grosso se tornou uma importante rota do tráfico de armas e drogas no Brasil. Além disso, no último mês de agosto, a Polícia Federal brasileira descobriu uma operação que envolvia aviões vindos das regiões produtoras da Bolívia e que pousavam em Goiás. De fazendas na região, a cocaína era distribuída para Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Nordeste. Em junho, o Ministério Público Federal denunciou uma quadrilha em Governador Valadares (MG). Por intermédio de uma empresa de turismo local, os traficantes levavam a cocaína dos Andes para a Europa. Em setembro, uma mulher foi presa com seis quilos de cocaína no aeroporto Afonso Pena, em Curitiba. Segundo a Polícia Federal, um indício de que os traficantes estão evitando fazer o embarque com drogas no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, por conta da intensa fiscalização, e optando por aeroportos de outras cidades que tenham conexão internacional, como o de Curitiba. Da mesma forma, em março desse ano, o relatório anual do Departamento de Estado americano apontou as "conexões internacionais" de organizações criminosas brasileiras como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho carioca, como reportou a Folha.

A repressão pura e simples e o combate localizado não são soluções viáveis para o problema das drogas e da violência gerada pelo tráfico. É preciso sair do ciclo vicioso político (e midiático) que apenas reproduz a situação e seus fatos jornalísticos. A campanha presidencial de 2010 pode ser um bom momento para reposicionar o problema na política brasileira, de modo que ganhe expressão nacional, regional e, especialmente, humanitária.

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