quinta-feira, 18 de abril de 2013

Ela está de volta

Depois de duas décadas, inflação retorna ao centro do debate político brasileiro, trazendo lembranças da história.

Em janeiro de 1989, Maílson da Nóbrega assumiu o Ministério da Fazenda e pôs em prática seu Plano Verão. Era a terceira tentativa do governo Sarney de conter a inflação, depois do fracasso dos planos Cruzado e Bresser. A correção dos preços estava na época em 35% ao mês.

Em 15 de novembro de 1989, seis dias depois da queda do Muro de Berlin e quando foi disputado o primeiro turno das eleições presidenciais daquele ano no Brasil, a inflação estava acima dos 45% ao mês. Cálculos do professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco sugerem que a correção dos preços chegou a 20.759.903.275.651% entre abril de 1980 e maio de 1995.

Na última quarta-feira, 17 de abril de 2013, quase 20 anos depois do lançamento do Plano Real em 27 de fevereiro de 1994, o Banco Central brasileiro subiu a taxa Selic de juros de 7,25% para 7,50% ao ano, diante de um índice acumulado de inflação de 6,59% nos últimos 12 meses, acima do teto da meta, de 6,50%. Pouco, mas suficiente para trazer o tema de volta ao debate político brasileiro, junto com algumas lembranças.

Na verdade, como sugere O Brasil depois da Guerra Fria: como a democracia transformou o país na virada do século, o debate político brasileiro do fim dos anos 1980 não é muito diferente do atual, pelo contrário, e a inflação é somente mais um componente de uma tradição de questões em torno do Estado que talvez tenha tido início naquele momento e perdura até hoje. No fim dos anos 80, havia sim, claro, um contexto de crise sem precedentes que se constituía não somente da (hiper)inflação, mas também do desequilíbrio externo, herança da Crise da Dívida do início da década, mas a discussão também pairava sobre a própria configuração do Estado brasileiro, onde está o elo fundamental de ligação com o presente.

Afinal, o Estado no fim dos anos 1980 era tido como caro e absolutamente ineficiente. A infraestrutura se deteriorava, gerando um custo enorme à atividade econômica, e os serviços públicos, saúde e educação principalmente, estavam jogados às traças. Uma excessiva intervenção do Estado na economia perpetuava um protecionismo irracional e alimentava uma correção de preços desenfreada, com gastos públicos excessivos e uma grande burocracia privilegiada. Aqui, qualquer semelhança, guardadas as devidas proporções, claro, não é mera coincidência.

Daquela época, entretanto, não vêm somente os problemas. Uma tese de O Brasil depois da Guerra Fria é a de que a democracia e a mudança no ambiente internacional possibilitaram também um pensar mais flexível sobre a economia política do país, em contraposição à rigidez do modelo desenvolvido nos anos 1950, hegemônico até aquele momento e marcado pela gerência direta do Estado sobre a economia, justificada pelos nossos "interesses nacionais", incluindo aí noções específicas de "soberania nacional", "identidade nacional" e do que se constitui a política internacional e a própria "natureza" do ambiente internacional.

Tal modelo trouxe a industrialização, modernizou o país e o colocou entre as maiores economias do planeta, mas suscitou problemas conhecidos como a inflação, a ineficiência do Estado na provisão de bens públicos, um mercado sobrecarregado de impostos e muita, mas muita burocracia.

Nesse contexto, a redemocratização dos anos 1980 proporcionou um questionamento generalizado desse modelo e produziu um afastamento relativo das rédeas do Estado de varias áreas, como nas relações comerciais do país, por exemplo, e na dinâmica interna da economia. O Brasil passou também a ter que discutir nos organismos internacionais os chamados "temas sensíveis", como seu programa nuclear, a preservação do meio ambiente e suas práticas no campo da propriedade industrial e intelectual.

O fato é que em tempos menos rígidos de controle do Estado, não parece mais necessário fazer o debate político econômico no Brasil como um típico "Fla-Flu" entre intervencionistas e liberais, no qual os primeiros dizem que a intervenção do Estado é solução para tudo e os últimos, que a redução da presença do Estado no mercado e na sociedade é sempre positiva.

Ora, um dos benefícios da redemocratização é a possibilidade de um debate mais flexível sobre o tema. Em alguns momentos ou algumas questões, pode ser benéfica uma maior atuação do Estado. Em outros momentos ou outras questões, melhor pode ser uma redução, um afastamento. As políticas sociais que ganharam força no governo Lula são exemplo do primeiro caso, a absurda desigualdade social e econômica brasileira exigiam e ainda exigem uma atuação mais firme do Estado nesse terreno.

Da mesma forma, os problemas que temos de infraestrutura e, principalmente, de ineficiência na gestão e provisão dos bens públicos fundamentais para qualquer democracia representativa, como educação, saúde, justiça e segurança, são questões que em geral nos levam para o segundo caso, quando uma menor intervenção estatal pode ser o melhor caminho. Afinal, atuando em menos setores da economia e da sociedade o Estado pode teoricamente se concentrar mais naqueles campos que lhe são, ou ao menos seriam, obrigatórios.

Hoje, a volta da inflação ao centro do debate político brasileiro  pode estar apontando para o esgotamento de um modelo relativamente mais intervencionista, próprio do contexto pós-1989, calcado no binômio "produção e consumo" e mediado pelo Estado. Corroboram para esta interpretação problemas como a alta dos preços nos serviços e nos alimentos nas grandes cidades brasileiras, o consumismo desmedido, o endividamento e a obesidade, a ineficiência dos sistemas de saúde e educação pública, os questionamentos acerca da justiça e da política e a tristeza corriqueira oriunda da violência e da falta de segurança pública no país. Nesse contexto, talvez seja mesmo momento para a alternância, de ideias, pessoas e partidos no poder, algo próprio de todas as democracias representativas maduras do planeta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário